Opinião
Eu, violador do direito de autor, me confesso
A actualização da Lei da Cópia Privada padece de vários problemas, mas o mais grave tem escapado às malhas da crítica: a sua falta de ousadia. Remendos de pano novo num direito de autor velho rompê-lo-ão ainda mais.
O direito de autor precisa de roupa nova, porque a velha já não serve nem a autores, que continuam sem ver nos seus bolsos as compensações que merecem, nem a consumidores, que continuam a ver proibidos comportamentos que praticam diariamente e que não reputam de moralmente condenáveis.
O auto-elogio surge habitualmente como manifestação disfarçada de desalento. Se ninguém elogia o que eu faço, então elogio eu, porque estou convencido de que o que faço é bem feito. Alento-me a mim próprio, autoconsolo-me. Bem sei que no contexto parlamentar o auto-elogio tende a ser a única forma de elogio. A previsível abstenção do PS na votação sobre a actualização da Lei da Cópia Privada não passará de um meio-elogio, uma espécie de confissão do pecado que também quis – mas não conseguiu – cometer.
O secretário de Estado da Cultura auto-elogiou a sua proposta de actualização da Lei da Cópia Privada. Uma "medida corajosa", chamou-lhe. Mas, na verdade, se há vício de que sofre a proposta é de falta de coragem.
O direito de autor precisa de mais do que actualizações. O direito de autor precisa de reformas inovadoras. Por duas razões fundamentais.
Por um lado, porque os autores não estão actualmente a ser remunerados por utilizações das suas obras que deviam ser compensadas. A extensão da incidência da compensação equitativa garante um acréscimo de remuneração aos autores, é certo, mas através da oneração de utilizações que não deveriam ser pagas – as reproduções para fins exclusivamente privados, que não causam qualquer prejuízo aos autores.
Por outro lado, o cidadão comum – com ou sem acesso ao digital - incorre em inúmeras violações diárias do direito de autor. Cantou os parabéns, alto e bom som, no jantar de aniversário que o seu amigo deu num restaurante cheio de gente? Partilhou uma fotografia que esse seu amigo tirou no jantar? Em bom rigor, todos nós temos "perna de pau, olho de vidro e cara de mau".
Menos numerosos do que os entoadores da mais conhecida de todas as canções (aparentemente, ainda sob protecção jusautoral), mas ainda assim em número significativo, são os utilizadores de redes "peer-to-peer" para a partilha não autorizada de ficheiros. A panaceia do direito de autor não parece ser o reforço do combate a esta prática, também recentemente anunciado pelo SEC. Milhares de acções judiciais (e de queixas arquivadas pelo Ministério Público) depois, os autores continuam sem receber a remuneração que merecem e os níveis de partilha não autorizada de obras continuam sem descer. A indiferença moral em relação à violação do direito de autor persiste.
Remendos de pano novo num direito de autor velho rompê-lo-ão ainda mais. O direito de autor precisa de roupa nova, porque a velha já não serve nem a autores, nem a consumidores. Reduzir o abismo que separa as soluções do legislador das intuições morais do utilizador e garantir uma adequada remuneração aos autores é um duplo desafio. Mas pode também ser o duplo dividendo de uma reforma do direito de autor inovadora – uma reforma oposta àquela que está agora em discussão.
Professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica