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De Uber rumo ao penta

É preciso que o Parlamento se decida de uma vez a aprovar a lei do transporte em veículo descaracterizado. É que a procura, por parte de benfiquistas, de viagens para o Marquês nesta altura do ano deve manter-se estável.

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Já está, tetracampeões. Acaba a cerveja, vamos para o Marquês. Nem penses que vais pegar no carro. De metro, daqui, só no octa ou no enea ou noutro prefixo matemático grego raramente pronunciado (a não ser que seja a Cristas a ganhar Lisboa). E de mota só vou se for à pendura com o Eliseu. Chama aí um Uber. Achas que há "surge pricing"? Não, benfiquista que é benfiquista apanha um táxi, de preferência com o Jorge Máximo ao volante.

 

O "chama aí um Uber" tem muito que se lhe diga. Chama-se um Uber, mas não se reserva um Booking ou um Momondo. "Usa-se" o Booking para reservar um hotel, mas não se usa-aí-a-Uber-para-agendar-um-serviço-de-transporte-privado-em-veículo-ligeiro-de-passageiros, o que, convenhamos, dá muito menos jeito do que chamar um Uber.

 

Vem isto a propósito da questão de saber o que é a Uber: se uma empresa de transporte, se uma empresa tecnológica. A questão será respondida em breve pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e interessa porque, se considerada prestadora de serviços de transporte, a Uber não poderá beneficiar da liberdade de prestação de serviços na União Europeia e ficará sujeita aos requisitos de licenciamento de cada um dos Estados-membros em que opera. Na semana passada, o Advogado-Geral (AG), cuja função é aconselhar o tribunal, disse que, no seu entender, a Uber presta serviços de transporte.

 

Segundo o AG, a Uber, ao contrário de plataformas como o Booking, não se limita a intermediar a relação entre o prestador de serviços e o utilizador. A diferença entre o serviço prestado pela Uber e um verdadeiro serviço electrónico de intermediação é a de que a Uber exerce controlo indirecto sobre vários aspectos do serviço de transporte, como o preço, as condições de adesão à plataforma e as classificações dos condutores. É este controlo, sugere o AG, que faz com que os utilizadores percepcionem o serviço prestado pela Uber como um serviço de transporte. E é por isso que pedem uns aos outros para chamar aí um Uber.

 

É normal e razoável que intermediários imponham condições aos prestadores dos serviços intermediados. O Airbnb impõe certos "padrões de hospedagem" que, se desrespeitados pelo proprietário ou titular da exploração do imóvel, podem acarretar penalizações, como a desactivação temporária do anúncio ao imóvel. Apesar destas condições (e de se "reservar um Airbnb", em vez de se "usar-o-Airbnb-para-reservar-um-serviço-de-alojamento-temporário-a-turistas"), não parece que o Airbnb preste serviços de alojamento local. Desde logo porque os imóveis anunciados na plataforma não lhe pertencem. Da mesma forma, os veículos utilizados para transportar tetracampeões no sábado não pertencem à Uber, nem esta emprega condutores e tampouco lhes exige que prestem a sua actividade durante um número mínimo de horas.

 

O AG disse ainda que, ao passo que uma plataforma como o Booking se limita a proporcionar o encontro entre a oferta hoteleira preexistente e a procura, ligando clientes e prestadores de serviços, a Uber "cria" a própria oferta. Os hotéis, ao contrário das empresas de transporte ocasional, existem e operam independentemente da plataforma online. Esta argumentação, contudo, desconsidera o facto de que muitas das empresas que hoje colaboram com a Uber já existiam antes de esta plataforma ter sido criada. E, se a Uber desaparecesse, estas empresas poderiam continuar a transportar benfiquistas para o Marquês. A Uber veio, inegavelmente, potenciar a oferta e a procura destes serviços. Mas daí decorre apenas que a Uber é um intermediário de sucesso, uma espécie de Jorge Mendes dos serviços electrónicos de intermediação, e que as condições que impõe são do agrado de utilizadores e prestadores; não decorre que a Uber presta serviços de transporte.

 

Prova da qualidade do serviço prestado pela Uber é que até os benfiquistas já se renderam à aplicação, a avaliar pelo "surge pricing" de sábado à noite. Pode ser que no penta a incerteza jurídica em torno destas plataformas tenha finalmente deixado de ser uma certeza e a oferta de veículos aumente. Para isso, é preciso que o Parlamento se decida de uma vez a aprovar a lei do transporte em veículo descaracterizado. É que a procura, por parte de benfiquistas, de viagens para o Marquês nesta altura do ano deve manter-se estável.

 

Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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