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Só eu sei porque (não) fico em casa

O que devia preocupar a Europa não é a cor da próxima maioria parlamentar, nem o nome do próximo Presidente da Comissão. O que devia preocupar a Europa é a eterna vencedora das eleições europeias: a abstenção.

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66%. Uma vitória esmagadora. O número, isoladamente considerado, é alarmante: a eleição dos deputados portugueses ao Parlamento Europeu ficou nas mãos de apenas 34% dos eleitores. O mesmo vale para a generalidade dos Estados-Membros, com taxas de abstenção nas eleições europeias consistentemente mais elevadas do que nas eleições nacionais – locais, legislativas e presidenciais. Mas mais inquietantes do que os 66% são os 20% que separam a média de abstenção nas eleições europeias (a rondar os 60%) da média de abstenção nas eleições nacionais (cerca de 40%).

 

São várias as causas que podem explicar esta diferença.

 

1 – A distância que separa a mesa de voto do assento dos candidatos eleitos. Bruxelas e Estrasburgo ficam mais longe da escola onde voto do que São Bento, Belém e mais ainda da Junta de Freguesia, que é mesmo ali ao lado. Talvez por isso o índice médio de participação eleitoral dos belgas nas eleições europeias atinja os 90%. Estranho é que nas legislativas de 2011 a abstenção em Carrazeda de Ansiães tenha sido idêntica à de Elvas. Ora, Elvas está 220 km mais próxima de São Bento do que Carrazeda. E na Bélgica o voto é obrigatório. Não deve ser a distância.

 

2 – A desilusão com a política e com os políticos. A abstenção surge então como protesto intencional, como expressão do descontentamento. Mas se a desilusão (tal como a emigração) crescente(s), para a qual muito terão contribuído os anos de austeridade, pode explicar o aumento da abstenção em relação às europeias de 2009, dificilmente explica a sistemática diferença de mais de 20% entre as últimas legislativas (41,1%) e estas e anteriores europeias. O desacreditar respeita a toda a classe política, não apenas a Rangel e Assis, Juncker e Schulz.

 

3 – O desinteresse. O alheamento. As eleições europeias são tidas como eleições de segunda ordem, porque o impacto dos seus resultados não é tão evidente para o eleitor como o das eleições nacionais. Mas, desta vez, os resultados das europeias – "as mais importantes de sempre" – deverão determinar a escolha do próximo Presidente da Comissão. Comissão essa que integrou o tridente de instituições que nos últimos anos tanto impacto teve no quotidiano dos portugueses. Seria de esperar, por isso, que os eleitores quisessem ter uma palavra a dizer sobre a sua liderança.

 

O desinteresse pelas eleições europeias existe, sim, e é a razão de ser dos 20% que separam a abstenção nestas da abstenção nas eleições nacionais. Um desinteresse motivado não pela falta de (acesso à) informação dos europeus, mas por uma identidade europeia que é mais fraca que a identidade nacional.

 

O ser humano é pluri-identitário. O que somos é o resultado de uma amálgama de identificadores. Somos europeus, portugueses, católicos, benfiquistas. Mas enquanto que o jogo entre o ser-se benfiquista e o ser-se católico não é um jogo de soma nula – ser um pouco mais benfiquista não implica ser um pouco menos católico –, é possível que o ser-se europeu só se possa construir à custa do ser-se nacional.

 

O que devia preocupar a Europa não é a cor da próxima maioria parlamentar, nem o nome do próximo Presidente da Comissão.O que devia preocupar a Europa é a falta de vontade europeia dos seus cidadãos.

 

Ontem, 66% dos portugueses não se sentiram europeus. E enquanto assim for, as eleições europeias serão onze contra onze e no fim ganhará a abstenção.

 

Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

 

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