Opinião
Esta gente despreza os nossos jovens
O empobrecimento provocado do País, sob a alegada e despudorada justificação de que gastávamos demais, configura a miséria moral mais sórdida, registada depois do 25 de Abril.
Se ainda houver em Portugal quem acredite neles, que os compre. E, diariamente, surgem notícias cada vez mais desanimadoras. As televisões falam no português comum, que já não ri como ria. É um trabalho científico sobre a melancolia que nos assola e cada vez mais se acentua. A doutrina do empobrecimento, apregoada e posta em prática por Pedro Passos Coelho e os seus, transformou-nos num povo apático, à espera de algo que modifique a nossa triste vida. Aborrece-me ter de bater quase sempre na mesma tecla, mas a culpa não é minha.
Na terça-feira, o Correio da Manhã fez manchete com o título: "Jovens qualificados com salários de 505 euros". O texto, claro e elucidativo, de Raquel Oliveira, é doloroso pela extrema crueldade com que relata este aspecto do nosso viver. O Governo decreta e o patronato, contentíssimo, segue à risca as normas. Vale a pena gastar dinheiro com a educação dos filhos, quando a postulação neoliberal afasta qualquer hipótese de ajuda estatal? Perguntam os pais. Sei muito bem do que falo e dos sacrifícios que a minha mulher e eu fizemos, ainda fazemos, para os nossos três filhos conseguirem obter cursos superiores. A linguagem deve ser esta, para que todos percebam. Claro que as dificuldades não são apenas de hoje. Mas, agora, acentuaram-se até ao desespero. O texto de Raquel Oliveira, na sua necessária síntese, é suficientemente nítido para que a indignação se junte a todas as nossas outras múltiplas indignações.
O empobrecimento provocado do País, sob a alegada e despudorada justificação de que gastávamos demais, configura a miséria moral mais sórdida, registada depois do 25 de Abril. O pior é que não há entre os comentadores habituais, um sequer, que escalpelize o crime de lesa-pátria.
O próprio Marcelo Rebelo de Sousa admitiu, na última semana, que os desmandos do capitalismo estavam a conduzir as pessoas para uma situação de revolta sem saída. A simples declaração do Marcelo, pela importância da personagem e pela natureza, embora cautelosa, da declaração, mereciam uma atenção necessária e imperiosa da comunicação social. Nada disso. O balanço feito, nas últimas semanas, sobre a actuação da imprensa e das televisões, é de molde a deixar-nos prostrados. A crítica ausentou-se, foi ausentada, da sua missão fundamental, noticiar e esclarecer, e não passa de uma massa amorfa, sem grandeza nem decência, enquanto o País se afunda. Factótuns estão a substituir pessoas íntegras e profissionalmente competentes, numa dimensão até agora insuspeitada. Podem ter a certeza de que sei do que falo.
Este assunto dos jovens qualificados com salários de 505 euros merecia, sem dúvida, um tratamento televisivo mais amplo: por exemplo, nos "Prós e Contras", da Fátima Campos Ferreira, cuja audiência e procura da imparcialidade temática são de assinalar. Não se pode prolongar este silêncio cúmplice sobre os grandes problemas nacionais, nem ocultar o nome e a acção dos seus mentores.
Uma reflexão sobre Portugal
"Passos Perdidos", de Ernesto Rodrigues, é um texto vital, pelo que propõe de reflexão sobre o País, e pela excepcional qualidade da prosa, do melhor que tem saído dos nossos prelos. Ernesto Rodrigues, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, é um raro historiador da nossa vida, pela variedade de temas com que procura "ler" Portugal. Ele faz levantamentos sobre grandes autores esquecidos, folheia e atenta em jornais e em jornalistas que marcaram época e hoje estão tumularmente dispersos e ignorados, e é um grande romancista, que este "Passos Perdidos" vem realçar, na continuação de "Torre da Dona Chama", um dos grandes textos da literatura portuguesa contemporânea. Basta ler a delineação que Ernesto Rodrigues faz dos próprios Passos Perdidos, para se avaliar o cuidado do observador e a natureza do seu projecto. A edição é da Âncora, dirigida por Baptista Lopes. A não perder.