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Energias renováveis? Sim, obrigado!

Discute-se, e bem, em comissão parlamentar, a questão das chamadas "rendas excessivas" da electricidade, discussão centrada agora sobre os famosos CAE e CMEC e sua influência no preço que pagamos pela electricidade em nossas casas.

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De facto, a necessidade do seu aparecimento e da sua aplicação foi amplamente debatida, tendo os governos de então decidido pela sua criação para o desenvolvimento do modelo de mercado eléctrico na Península Ibérica; no decurso do tempo e sucessivas evoluções do conceito e de suas aplicações, poder-se-iam ter tomado outras decisões, mas a questão não me parece complicada: deixe-se uma entidade com vocação própria para o assunto - a ERSE - fazer bem as contas todas e proceda-se ao respectivo acerto. Discuta-se, em paralelo, se devem continuar a existir e como.

 

Estou convicto de que a redução do custo da electricidade nos consumidores será o resultado no final deste exercício e, nesse sentido, aplauda-se a iniciativa política do Bloco de Esquerda em pôr o tema a escrutínio.

 

Mas há outras formas de redução de custo: as que resultam do IVA actual (que subiu o custo total no consumidor em 16%, quando passou de 6 para 23%) e as que resultam de mais uma série de taxas que tradicionalmente se têm incluído no preço da electricidade e que também podem e devem ser discutidas.

 

No entanto, grande parte da narrativa defendida pelo Bloco de Esquerda tem sido, estranhamente, contra as renováveis (cujas políticas na década de 2000 foram defendidas pelo mesmo partido), considerando-as até "o eixo do mal". Em Outubro de 2017, uma iniciativa legislativa (para entrar em vigor com o OE de 2018) ia acabar a penalizar as Energias Renováveis (ER) e o seu notável, e necessário, desenvolvimento em Portugal. Felizmente não aconteceu.

 

O caso das ER não pode ser analisado de forma superficial: tem por trás decisões do foro da política energética e ambiental. Necessitamos de descarbonizar a nossa economia, fruto de compromissos estabelecidos por directivas europeias e acordos internacionais e uma das melhores formas, mais baratas e com mais impacto, é a da redução do consumo de energias fósseis.

 

Para ultrapassar a questão dos custos iniciais, uma das formas de fazer foi a de admitir que a electricidade produzida, seria remunerada a uma tarifa adequada à maturidade tecnológica e outros custos, em linha com o praticado em outros países da União Europeia. Criaram-se, assim, condições para que o investidor numa nova forma de produção de energia pudesse concretizar o investimento. Condições que ficaram consagradas num contrato e por um prazo que se estabeleceu. E não se pode agora alterar o equilíbrio contratual estabelecido.

 

Entretanto, as ER são, hoje, muito mais baratas? Em 2018, são efectivamente muito mais baratas, como aliás se esperava, à medida que a tecnologia se foi desenvolvendo e um efeito de escala se foi sentindo. Hoje o contrato a celebrar para novos investimentos será bem diferente e menos oneroso do que os realizados na década de 2000. Isto é, os próximos investimentos em ER já não necessitam de tarifas apoiadas e já são até mesmo mais baratos que os que teríamos de fazer em centrais a carvão ou a gás natural novas. 

 

Mas o sistema produtor já está a beneficiar da decisão inicial de aceitar o seu custo mais elevado, porque produzir com o tal "mix" convencional, hoje, teria um custo mais elevado do que aquele que resulta quando as ER estão a produzir e a fornecer energia à rede. E, contas feitas, isso corresponde a uma poupança superior ao sobrecusto contratual das renováveis.

 

Se isso depois se reflecte no preço de venda ao consumidor, é uma questão distinta. E, novamente, de natureza fiscal.

 

E não é só esta a grande vantagem das ER: é que, com elas, temos uma energia total mais limpa, com menos impacto no ambiente. Gerámos muita actividade económica reduzimos importações de combustíveis fósseis e baixámos o preço em mercado spot (grossista). Todos estes factores geram poupanças superiores aos custos incorridos com as tarifas contratualizadas, poupanças que tendem a não ser contabilizadas quando se faz uma análise superficial.

 

Entretanto, para a audiência parlamentar em curso sobre esta matéria, foram chamadas a depor individualidades (que habitualmente são vistas como tendo credenciais científicas e técnicas na área da energia que não possuem), que têm uma agenda clara a favor do "status quo" energético (fóssil) e que apontam para a energia nuclear como sendo a alternativa do futuro. Desta postura resulta que uma discussão sobre CAE e CMEC que deveria ser mais ou menos pacífica, como se disse de início, seja aproveitada para um ataque sub-reptício às renováveis e à sua crescente penetração no mercado de energia, uma direcção que é contrária à da sua agenda. Perceber isto é importante para relativizar testemunhos que correspondem a uma visão da Energia e do Ambiente verdadeiramente fóssil, datada no tempo e que vai contra os interesses da humanidade, e que temos mesmo de ultrapassar.

 

Professor Catedrático da Universidade de Évora

 

Titular da Cátedra de Energias Renováveis

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