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João Costa Pinto 08 de Junho de 2020 às 18:22

Como relançar a economia? - (III)

Merkel e Macron compreenderam a gravidade dos riscos que ameaçam a Europa do euro e jogaram o peso – político e económico – do eixo Paris/Berlim numa solução capaz de abrir caminho a uma proposta da Comissão.

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1. Ainda não são conhecidos os contornos definitivos dos apoios da União Europeia às economias do euro, em particular às menos competitivas e mais endividadas. No entanto, é razoável admitir que a resposta final não se irá afastar muito da proposta da Comissão. A ser assim, permanecem em aberto algumas questões importantes: como vai a Europa emergir da actual crise? As soluções propostas pela Comissão são as necessárias para preservar o euro e consolidar o movimento de integração? No nosso caso, como utilizar os recursos que, ao longo dos próximos anos, a Europa vai canalizar para a nossa economia? Devemos procurar relançar a actividade económica sem questionar o modelo de organização e de crescimento que enquadrou a nossa economia nas últimas décadas? Ou, em alternativa, devemos procurar – sem pôr em causa a importância estratégica dos elementos mais dinâmicos desse modelo – novos eixos de crescimento e desenvolvimento económico? Eixos capazes de ultrapassar os bloqueamentos que têm travado o nosso crescimento, de atrair o talento e o investimento de que dependem a inovação e os ganhos de produtividade.

Na verdade a autonomia para desenhar programas que se proponham combater os bloqueamentos estruturais vai depender do tipo de condicionalidade que vier associada aos apoios europeus. Sendo natural que esta venha a reflectir linhas estratégicas adoptadas a nível europeu – como a economia digital e a inovação tecnológica, o ambiente, as energias renováveis, as telecomunicações e os transportes transeuropeus – é importante que deixe margem para programas dirigidos aos bloqueamentos com que as diferentes economias se debatem.

2. O alcance e as implicações da resposta da União Europeia à actual crise devem ser avaliadas à luz do quadro em que a Comissão formulou a sua proposta.

A pandemia e a sentença do Tribunal Constitucional alemão constituem – por razões distintas mas que convergem no tempo – uma séria ameaça ao futuro do projecto europeu.

A resposta assimétrica à primeira fase da pandemia pôs em causa os fundamentos do Mercado Único, ameaçou alargar o fosso entre economias devedoras e credoras e acentuar a fragmentação da Zona Euro.

Por sua vez a surpreendente sentença do Tribunal Constitucional alemão veio introduzir um perigoso elemento de incerteza em relação à acção futura do BCE, com implicações imprevisíveis sobre a estabilidade dos mercados do euro. Para além disso, veio fortalecer os grupos políticos e intelectuais alemães que nunca concordaram com a orientação que o BCE imprimiu à política monetária desde o “whatever it takes” de Draghi. Sentença que, no entanto, teve o mérito de apontar – na interpretação dos juízes alemães – os limites e o progressivo esgotamento da acção do BCE, na ausência de decisões políticas por parte dos governos europeus.

Merkel e Macron compreenderam a gravidade dos riscos que ameaçam a Europa do euro e jogaram o peso – político e económico – do eixo Paris/Berlim numa solução capaz de abrir caminho a uma proposta da Comissão.

Proposta que envolve um esforço financeiro que fica claramente aquém do necessário, face à magnitude dos desafios enfrentados pela Europa do euro, em particular dos desequilíbrios com que as economias devedoras se debatem – 500 mil milhões de euros de subsídios a conceder ao longo de quatro anos, correspondentes a cerca de 0,6% do PIB global por ano.

No entanto, a importância da proposta da Comissão transcende os montantes envolvidos, na medida em que representa um verdadeiro salto qualitativo de uma Europa que permanece paralisada desde a crise financeira. A ser aprovada, a proposta da Comissão avança em áreas críticas para o futuro da Europa do euro: emissão centralizada de uma forma de “dívida europeia”, para financiar o programa de ajudas. Deste modo, a Comissão dá um passo na direcção da dívida mutualizada e lança nos mercados um activo com características de Activo sem Risco; um “imposto europeu” com o objectivo de financiar de forma autónoma o serviço da nova dívida. Proposta que abre novas possibilidades de financiamento de programas de reorganização estrutural do tecido produtivo europeu, enfraquecido pelas sequelas da pandemia e em risco crescente de fragmentação. Resta aguardar a sua aprovação (a continuar).

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