Opinião
As coisas não vão nada bem
À memória de Emídio Rangel, querido amigo e grande jornalista, este, sim.
Fui a ares, assim diziam os antigos, talvez para procurar um pouco da pureza inicial e dos rudimentos de uma genuinidade que a cidade grande depredou. Nada de jornais, nada de rádio, nada de televisões. Há muitos anos que me não abandonava às delícias de nada ter de fazer. Vivi, durante doze dias, numa aldeia da Beira Baixa, terra do meu sogro, e apenas levei comigo, como viático para a jornada, livros de Irene Lisboa, outra das grandes autoras esquecidas.
Onde estive, as coisas sabem-se, bem entendido, e o caso BES sobressaltou alguma gente, por ter lá conta. Mas a indignação subiu ao rubro quando foi tornado público que o dr. Salgado pagara três milhões de euros para não ser detido.
Regresso a Lisboa e tudo parece inamovível. O Governo prepara-se para continuar o rol das malfeitorias; a matança em Gaza não pára; e as indicações de que as guerras locais podem transformar-se num conflito generalizado não cessam de aumentar. Como há tempos disse Ana Gomes, não devemos, por dever moral e para a nossa própria salvação, apaziguar as nossas indignações. Os senhores da guerra provocam toda esta inquietação, e a crispação portuguesa e o medo viscoso sob o qual sobrevivemos resultam da impossibilidade de vivermos serenamente.
Nada do que foi voltará a sê-lo. Porém, há quem se sirva desta evidência para propor novos moldes de uma nova barbárie. O capitalismo está em insolvência, já se percebeu, e não se descortina outro sistema, mais humano, mais próximo da nossa razão de existir, que se oponha, veementemente, a esta brutalidade. Porque os conflitos e as chacinas, registados um pouco por todo o mundo, não são, apenas, de ordem religiosa, o que já não seria pouco: resultam da crise geral do capitalismo; da necessidade de expansão da indústria armamentista, e da cedência imoral das forças que deveriam constituir-se como escudo contra a selvajaria. Regresso a Lisboa, e Costa e Seguro prosseguem nesta luta de surdos aos apelos de quem ainda acredita no progresso em si, não na bondade dos homens. As indicações inclinam-se para uma vitória de Costa, não muito folgada, mas vitória. Mas também no-lo dizem que o PS ficará em muito mau estado. Procuro, leitura dos antigos, sinais que me permitam sossegar as preocupações. Todavia, o mundo transformou-se numa virago indecorosa, sem princípios e sem respeito por nada. Um assassino islâmico aparece nas televisões (e as televisões não recusam as imagens tenebrosas) momentos antes de decapitar um jornalista americano, e a ameaçar este mundo e o outro, de que a guerra vai continuar. Esta guerra. E creio bem que não vai. Esta insanidade não é unilateral. O que acontece e tem acontecido, por todo o lado, possui culpados e responsáveis. Sabemos quem despertou a hidra de sete cabeças, e os nomes desses aprendizes de feiticeiro que destaparam a caixa de Pandora. Fomos manipulados, mentiram-nos, e continuam a mentir-nos, dizimaram os nossos princípios, em nome do dinheiro e do lucro aparentemente fácil e, agora, estamos a pagar os nossos crimes, as nossas negligências e as nossas malfadadas cumplicidades.
Que nos vai acontecer? Prevejo o pior possível. O que se entendia por forças do progresso, foram dizimadas ou deixaram-se dizimar. Estive uns dias numa aldeia onde o respeito é respeitado e a palavra de honra é mesmo palavra de honra. Bebi o vinho da amizade e comi o pão da fraternidade e do sorriso. Sou um português de Lisboa, muito vivido e experimentado, e bem gostaria de passar o que falta percorrer do quartel numa felicidade por pequenina que fosse. Torna-se-me difícil porque não me abstenho. E cá estou, de novo, com o sarrafo nas mãos e a força que a razão ainda me com concede.