Opinião
Afinal, o diploma de redução da TSU é inconstitucional!
O decreto-lei que aprovou formalmente a redução da TSU dos empregadores deve ter sido um dos diplomas legais mais rápidos da democracia portuguesa.
Aprovado no dia 16 num Conselho de Ministros realizado por via electrónica, foi promulgado pelo Presidente da República a 17 e, ainda no mesmo dia, foi referendado pelo primeiro-ministro e publicado em suplemento ao Diário da República.
Em dois dias apenas, ao abrigo de umas disposições escondidas no Regimento do Conselho de Ministros, ultrapassaram-se todas as fases do procedimento legislativo governamental - agendamento, pareceres, circulação, discussão, etc. - e, com a ajuda da mão amiga do Presidente, que tinha constitucionalmente 40 dias para promulgar, tudo ficou resolvido.
Se estes diplomas à velocidade da luz viram moda, muito juristas, assessores e consultores ao serviço dos ministérios vão ficar sem nada que fazer. E, em bom rigor, não se percebe a razão de tanta pressa, porque afinal o próprio diploma fixa o início da sua vigência para a longínqua data de 1 de Fevereiro.
Sim, mas não é esta inusitada celeridade que está na origem da inconstitucionalidade do decreto-lei de que tanto se tem falado nos últimos tempos.
O problema é outro. Mais precisamente: o dito decreto governamental, não obstante dizer-se feito ao abrigo dos artigos 100.º e seguintes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (o nome é muito rigoroso, mas linguisticamente imprestável!), altera na prática o disposto neste mesmo código, que foi aprovado por lei da Assembleia da República.
Numa palavra, o Governo legisla sobre uma matéria que a Constituição integra na competência da Assembleia da República, sem estar munido da necessária autorização legislativa para o efeito. É preciso ter em conta que a famosa TSU tem uma dupla natureza: na parte paga pelos trabalhadores, é uma contribuição que tem retorno, mais tarde, sob a forma de pensões de reforma ou outras prestações sociais; mas, na parte que é paga pelos empregadores, ela constitui um imposto, já que não garante a quem a suporta qualquer tipo de contrapartida.
Por isso, a TSU - com a definição dos seus parâmetros essenciais, onde se inclui a respectiva taxa - só pode ser criada por lei da Assembleia da República ou por um decreto-lei do Governo devidamente autorizado por aquela.
É certo que nos referidos artigos 100.º e seguintes do tal Código dos Regimes Contributivos se prevê a possibilidade de o Governo, por decreto-lei, fixar "de forma transitória, medidas de isenção ou diferimento contributivo, total ou parcial". Sucede, porém, que essa possibilidade só é aberta com três objectivos muito precisos: estímulo à criação de postos de trabalho; apoio à reinserção profissional de desempregados; apoio em situações de catástrofe, calamidade pública ou afins.
Não está prevista a possibilidade de o Governo conceder isenções ou reduções da TSU como contrapartida, dada aos empregadores, pelo aumento do salário mínimo nacional. Não significa que a medida seja em si desprovida de mérito. Simplesmente, não cabe nos objectivos previstos na lei. Aliás, se há efeito que a elevação do salário mínimo não tem é a criação de novos postos de trabalho. O risco é, mesmo, o de que possa ter o efeito inverso.
Nesse sentido, o decreto-lei altera o código sem a necessária autorização parlamentar, acrescentando um novo fundamento justificativo para redução do valor da taxa a pagar pelos empregadores.
A culminar este processo, o decreto-lei foi chamado para apreciação parlamentar pelos partidos à esquerda do Governo (embora por razões meramente políticas).
É caso para dizer: quanto mais depressa, mais devagar!
Constitucionalista - Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa