Opinião
Pode o sistema "enquadrar" Trump?
Já imaginava que, perante o choque da vitória de Trump, alguns viessem serenar os ânimos com a ideia de que a democracia americana tem no sistema de "cheks and balances" (ou freios e contrapesos) um remédio seguro contra potenciais tiranos populistas. O candidato anti-sistema transformar-se-á, afinal, num presidente conformado pelo sistema.
Gostava de partilhar dessa mesma fé, mas infelizmente não consigo. E não consigo porque os ditos "cheks and balances" são, no essencial, mecanismos de funcionamento do sistema de governo assentes na existência de alguma dissonância (política, funcional ou de interesses) entre os diferentes órgãos do poder público: o Presidente, as duas câmaras do Congresso, o Supremo Tribunal, os próprios órgãos dos estados federados.
Sem essa dissonância não há veto, nem superação do veto, nem escrutínio da administração pelo Congresso, nem "impeachement", nem rejeição do orçamento, nem fiscalização da constitucionalidade que funcionem como limites reais ao poder presidencial.
Ora, ao contrário do que sucedeu com Obama – que governou sempre sem maioria no Congresso – os republicanos ganharam agora em toda a linha. E, se não conseguiram fazer frente eficazmente a Trump quando este era um candidato fraco, como vão moderá-lo agora que teve uma retumbante vitória pessoal (em larga medida conseguida apesar do partido)? Os democratas, humilhados e sub-representados no Congresso e nos estados, menos ainda estarão com condições de o fazer.
Em breve, à maioria no Senado e na Câmara, o presidente eleito vai juntar uma nomeação para o Supremo (que não será certamente a que foi proposta por Obama). Outras se seguirão nos próximos 4 ou 8 anos, reforçando o conservadorismo do órgão máximo do poder judicial.
Depois, como é evidente, a separação de poderes, hoje, nada tem a ver com a que foi pensada por Montesquieu e que os constituintes de Filadélfia plasmaram na Constituição americana de 1787.
Estes ainda viviam na ilusão de que o poder legislativo era o mais perigoso e, por isso, preocuparam-se sobretudo em limitar as prerrogativas do Congresso. Mas no presente o executivo é um poder muitíssimo mais forte. Tem usado e abusado de instrumentos jurídicos novos, que lhe permitem ampla margem de atuação discricionária. Dispõe de recursos humanos, tecnológicos e financeiros imensos. Comanda as forças armadas e tem ao seu serviço uma eficiente máquina administrativa cujas lideranças mudam sempre que entra um novo presidente.
De resto, quem confia no sistema de "cheks and balances" sempre terá de explicar porque não funcionou ele de forma eficaz num passado ainda recente, perante uma liderança bem menos carismática como a de George W. Bush. Quer dizer, porque não impediu ele que um país que se representa como o campeão das liberdades adotasse um programa sistemático de tortura de suspeitos de terrorismo, prendesse pessoas sem respeito pelas mais elementares garantias de defesa e desencadeasse, sob falsos pretextos, uma guerra com tremendas consequências e para a qual arrastou alguns aliados europeus.
Trump é um sintoma de uma doença que se vem alastrando, sem controlo, nos últimos anos. Mas o remédio não é simplesmente a separação de poderes, porque há doenças que não se tratam com anti-inflamatórios.
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Sem essa dissonância não há veto, nem superação do veto, nem escrutínio da administração pelo Congresso, nem "impeachement", nem rejeição do orçamento, nem fiscalização da constitucionalidade que funcionem como limites reais ao poder presidencial.
Em breve, à maioria no Senado e na Câmara, o presidente eleito vai juntar uma nomeação para o Supremo (que não será certamente a que foi proposta por Obama). Outras se seguirão nos próximos 4 ou 8 anos, reforçando o conservadorismo do órgão máximo do poder judicial.
Depois, como é evidente, a separação de poderes, hoje, nada tem a ver com a que foi pensada por Montesquieu e que os constituintes de Filadélfia plasmaram na Constituição americana de 1787.
Estes ainda viviam na ilusão de que o poder legislativo era o mais perigoso e, por isso, preocuparam-se sobretudo em limitar as prerrogativas do Congresso. Mas no presente o executivo é um poder muitíssimo mais forte. Tem usado e abusado de instrumentos jurídicos novos, que lhe permitem ampla margem de atuação discricionária. Dispõe de recursos humanos, tecnológicos e financeiros imensos. Comanda as forças armadas e tem ao seu serviço uma eficiente máquina administrativa cujas lideranças mudam sempre que entra um novo presidente.
De resto, quem confia no sistema de "cheks and balances" sempre terá de explicar porque não funcionou ele de forma eficaz num passado ainda recente, perante uma liderança bem menos carismática como a de George W. Bush. Quer dizer, porque não impediu ele que um país que se representa como o campeão das liberdades adotasse um programa sistemático de tortura de suspeitos de terrorismo, prendesse pessoas sem respeito pelas mais elementares garantias de defesa e desencadeasse, sob falsos pretextos, uma guerra com tremendas consequências e para a qual arrastou alguns aliados europeus.
Trump é um sintoma de uma doença que se vem alastrando, sem controlo, nos últimos anos. Mas o remédio não é simplesmente a separação de poderes, porque há doenças que não se tratam com anti-inflamatórios.
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11.11.2016