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29 de Janeiro de 2012 às 23:30

Constituição, endividamento e futuro

Alguém poderá dizer, em sã consciência, que uma maioria governativa não abusa do seu poder quando, para obter dividendos políticos no final da legislatura, gera encargos financeiros que terão de ser pagos anos a fio? Se uma maioria obtém do eleitorado legitimidade para governar durante quatro anos, como poderá justificar-se que ela possa, livremente, obrigar as maiorias seguintes a pagar os empréstimos por ela contraídos, ao longo de 10 ou 20 anos?

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Alguém poderá dizer, em sã consciência, que uma maioria governativa não abusa do seu poder quando, para obter dividendos políticos no final da legislatura, gera encargos financeiros que terão de ser pagos anos a fio? Se uma maioria obtém do eleitorado legitimidade para governar durante quatro anos, como poderá justificar-se que ela possa, livremente, obrigar as maiorias seguintes a pagar os empréstimos por ela contraídos, ao longo de 10 ou 20 anos?

Quem entender que estas questões não são pertinentes pode rejeitar a constitucionalização dos parâmetros do endividamento público, dizendo apenas que não é por se consagrar na Constituição a proibição de défices excessivos que estes vão desaparecer.

Porém, uma Constituição é um documento cuja razão de ser está na limitação do poder, prevenindo todas as formas do seu abuso. Desde os primórdios do Estado de Direito que esse objectivo tem sido prosseguido por três vias: garantia dos direitos fundamentais; imposição da separação de poderes; e democraticidade dos sistemas de governo.

O endividamento desregulado do Estado interfere negativamente com todas e cada uma destas três vias.

Umas finanças públicas não sustentáveis põem em causa os direitos das gerações futuras, que se verão privadas da liberdade para fazer as suas próprias escolhas. Em coerência, pois, a Constituição não pode permitir que sejam retirados aos cidadãos de amanhã direitos que garante aos cidadãos de hoje.

A separação de poderes tem também, entre outras, uma dimensão temporal. Por isso os governantes têm o seu tempo em funções dividido em mandatos curtos. E é por isso um paradoxo que a Constituição não os impeça de, a partir desses mandatos, determinar insidiosamente a acção governativa por longos períodos.

Uma democracia saudável pressupõe que quem recebe dos eleitores os louros associados à realização da despesa pública assuma também os custos inerentes à cobrança dos correspondentes impostos. Não há, aliás, melhor estímulo à gestão eficiente dos recursos públicos. Se for possível transferir para quem vem depois os ditos custos, isso dificulta a responsabilização política dos governantes e põe em causa a transparência democrática.

Numa palavra: nada há de mais "constitucional" do que a limitação do endividamento público. Se é nesse campo que se têm registado graves abusos – com as consequências que estamos a viver –, é aí que a Constituição tem de intervir. Quanto antes!

Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica – Escola de Lisboa

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