Opinião
A nova comissária da Concorrência
Margrethe Vestsager, dinamarquesa, iniciou funções no passado dia 1 de novembro como comissária para a Concorrência na nova Comissão Europeia presidida por Juncker. Foi vice-primeira-ministra e ministra para os Assuntos Económicos e Administração Interna (2011-2014) e líder do partido de centro-esquerda "Radikale Venstre" (2007-2014).
Entre 1998 e 2001 foi ministra da Educação e dos Assuntos Religiosos e foi eleita para o Parlamento dinamarquês em 2001. Trata-se, portanto, de uma política com traquejo.
É o quarto comissário da Concorrência oriundo da esquerda democrática (incluindo o comissário cessante, Joaquín Almunía, que foi líder do PSOE) e o quarto consecutivo com formação económica.
Na sua aparição perante o Comité de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, Vestsager indicou o mercado único digital e a energia como prioridades. Afirmou ainda não querer encarar a sua pasta como um "portefólio solitário" e prometeu trabalhar em estreita cooperação com os seus pares. O que bem se compreende a título de graciosa entrada em cena. Por um lado, para apaziguar as reticências que o "czar da concorrência", um histórico "primus inter pares" no seio da Comissão, sempre suscita nos seus colegas. Por outro, como manifestação de anuência à nova estrutura orgânica da Comissão que agora se organiza em torno de sete vice-presidentes, estando a pasta da Concorrência sob a responsabilidade política de Jyrki Katainen, o ex-primeiro-ministro finlandês que passa a coordenar o Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade.
A proeminência que o comissário da Concorrência assumiu progressivamente no seio do Colégio de Comissários radica, mais do que nos tratados fundadores, no regulamento que a partir de 1962 detalhou os poderes da Comissão para punir diretamente as empresas que infringissem as regras relativas aos cartéis e aos abusos de posição dominante e, sobretudo, no regulamento que em 1989 veio estabelecer a competência da Comissão para aprovar, proibir ou condicionar concentrações entre empresas com atividade no território da União Europeia. Agora, o czar (ou melhor, a czarina) vai passar a responder perante um super-czar. E terá de se coordenar com os vice-presidentes Ansip (Mercado Único Digital) e Sefcovic (Energia). Esta é uma novidade institucional que, à primeira vista, reuniria todas as condições para um embate de vontades. Coincidência ou não, todos os vice-presidentes proveem de pequenos países do Norte e do Leste europeu, tal como, aliás, a própria comissária da Concorrência, no que se afigura ser uma sábia receita para evitar choques de titãs.
O legado de Almunía é agridoce. Em termos de "enforcement", aplicou coimas recorde aos bancos envolvidos na manipulação das taxas LIBOR e EURIBOR (€ 1,7 mil milhões) e abriu investigações a gigantes como a Google, a Samsung ou a Gazprom. Pilotou também a aprovação de dezenas de auxílios de Estado aos bancos europeus em ressaca do Lehman Brothers, nas águas revoltas do risco sistémico. E arrancou ainda o acordo entre o Parlamento Europeu e o Conselho sobre a Diretiva relativa à responsabilização civil de privados por danos emergentes de violações das regras de concorrência.
Já do ângulo da transparência, o ranger de dentes quanto ao uso generoso - alguns dirão abuso - do mecanismo da "transação" como forma negociada de encerrar processos sancionatórios deixa no ar algum desconforto.
O Direito da Concorrência é consabidamente um terreno pantanoso, no qual a clareza da prática decisória das autoridades acerca do que é permitido ou proibido tem importância crítica para as empresas no desenho das suas estratégias comerciais. Múltiplos desfechos negociados, sem explicitação da linha divisória entre legalidade e ilegalidade, deixam a angústia como parceira monogâmica da insónia dos advogados, com custos para as empresas que não têm retorno na segurança jurídica que é suposto caracterizar uma economia de mercado assente em regras do jogo que todos conhecem à partida. Uma economia assente no "fair play" que a nossa Autoridade da Concorrência atualmente promove muito meritoriamente - e, assinale-se, pela primeira vez desde que foi criada - pelo país fora.
Na agenda global imediata de Vestsager ressaltam os processos contra a Google e a Gazprom. No que toca a Portugal, o setor mais em foco é notoriamente o financeiro.
Com "fair play", é momento para desejar à nova comissária, de acordo com fonte amiga: held ok lykke!
Sócio da Vieira de Almeida & Associados
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