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23 de Maio de 2014 às 00:01

A Europa do Europa

A Europa foi o mecenas da nossa liberdade, pagou-nos a festa e depois pagou-nos a ressaca. Mas a Europa burocrática e sem rumo dos últimos anos ajuda a esquecer o seu passado e a sua enorme força libertadora de cartéis económicos e políticos.

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Quando era pequeno, gostava de Kalkitos e bananas. No meu bairro, só havia Kalkitos no supermercado Europa. No Lumiar dos anos oitenta, comprar decalques ilustrando o desembarque na Normandia era uma conquista difícil. Bananas havia em mais dois ou três sítios, mas a minha mãe só as comprava se custassem menos de duzentos escudos. Acima disso, ficavam no Europa.

 

Duzentos escudos em 1984 são hoje quatro euros e meio. E hoje há bananas a um euro por todo o lado, e já não há nada que haja só no Europa. A Europa baixou o preço da banana - os miúdos cá em casa agradecem, e muito mais agradecem os miúdos do Uganda ou da Costa Rica. A Europa transformou os europas em continentes e em pingos doces na polónia, e substituiu os Kalkitos por cadernetas da Champions. É sempre assim - quando a Europa destrói barreiras, ganha a Europa e ganha o mundo.

 

Mas mais do que isso: a Europa derrubou os vários bairros de lata que rodeavam o Europa, e onde viviam muitos dos clientes desse mercado comum, subiu o seu nível de vida, trouxe-lhes água e saneamento, crédito bancário. A destruição de barreiras sociais que a Europa patrocinou passou ali pelo Europa e é disso que me lembro quando ouço inanidades antieuropeístas.

 

O problema são sempre as barreiras que a Europa não destrói ou tarda a destruir. Ir do Lumiar ao Rossio não é hoje substancialmente diferente do que era em 1984. Antes, o metro parava em Entrecampos, é verdade, e com o dinheiro da Europa há hoje uma estação mesmo à porta do Europa. Os táxis mudaram de cor e têm cintos de segurança, coisas que também dizem que vieram da Europa, e o autocarro, que era o 36 e agora é o 736, cheira melhor, mas nada de revolucionário aconteceu nestes 30 anos de transportes.

 

A revolução na mobilidade europeia está a chegar dos Estados Unidos onde a empresa Uber desenvolveu uma aplicação que permite, com um clique no telemóvel, sermos transportados dos lumiares aos rossios. O transporte é pago à Uber e assegurado por alguém, de um conjunto de condutores pré-registados, proprietário de uma viatura profissional ou mesmo de uso pessoal. Mais escolha, mais eficiência, melhores preços.  O cartel do táxi saiu à rua: em Milão, os taxistas estão há dias em greve; em Bruxelas e Berlim, conseguiram que um tribunal proibisse serviços da Uber. A Comissão, ou melhor uma Comissária, indignou-se com a decisão judicial belga. Mas terá a Europa força contra o poder do táxi? E o que pensam os candidatos portugueses ao Parlamento Europeu sobre a questão? E haverá força política no plano doméstico para impor uma ideia europeia de liberdade em tempo útil?

 

A Europa foi o mecenas da nossa liberdade, pagou-nos a festa e depois pagou-nos a ressaca. Mas a Europa burocrática e sem rumo dos últimos anos ajuda a esquecer o seu passado e a sua enorme força libertadora de cartéis económicos e políticos. Por isso, o próximo Parlamento e o próximo Presidente são fundamentais para as cidades e gentes europeias. Por isso, estas europeias não são europeias, são legislativas, são presidenciais e são locais. Para que os desembarques na Normandia continuem nos Kalkitos e que não haja mais barracas à saída do Europa.

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