Opinião
A democracia ainda existe?
O prestígio da democracia desaparece quando o desrespeito e a incúria ganham terreno. E o voto continua a ter, nas sociedades civilizadas, um poder punitivo e dissuasor.
Um grupo de 900 cidadãos holandeses decidiu processar o governo por este não proteger a população das poluições. O facto não é novo naquele país e, esmagadoramente, os protestos são sempre ganhadores. O prestígio da democracia desaparece quando o desrespeito e a incúria ganham terreno. E o voto continua a ter, nas sociedades civilizadas, um poder punitivo e dissuasor. Na Islândia, o primeiro-ministro foi preso, assim como outros governantes, por indignidade nacional: corrupção, nepotismo e negligência. Na Itália de Berlusconi, este foi escorraçado por indecoro. O exemplo clássico é o de Richard Nixon: mentiu à nação e foi enxotado. Valeu-lhe, depois, o perdão de Ford, que o reabilitou com extrema decência.
Há dias, nos documentos que faz publicar a Associação 25 de Abril, o meu amigo Vasco Lourenço, herói da Revolução, em resposta a um correspondente, dizia não sentir o mínimo rebuço em apoiar um processo-crime contra o Governo pelas malfeitorias por este cometidas. Assino por baixo.
O voto não valida nem permite tudo, e este Executivo tem cometido crimes inomináveis, como o de tripudiar sobre os testamentos sagrados, as promessas feitas e o estendal de misérias com que enlameou a pátria desde que trepou ao poder, com a afectuosa colaboração do dr. Cavaco.
Impeço-me de repetir o que Passos Coelho e os seus fizeram de monstruoso à população. Mas não me impeço de afirmar o que há de afrontoso num Governo que age em conformidade com o que pensam a execrável Angela Merkel e o seu horroroso ministro das Finanças.
Só os atropelos à Constituição, o desprendimento e o desapego com que actuam bastariam para um grupo de justos lhes mover um processo de indignidade. Eles desprezam-nos, são autocratas e continuam impunes, como se a imunidade fosse um dado adquirido. Não é. Ao que julgo saber, por consultas a advogados amigos, os cidadãos podem constituir-se em grupos de indignados com os destinos do País, e impedir, através da Justiça, que as coisas piorem.
As democracias só existem, como tal e enquanto tal, se forem exercidas por democratas. Estes senhores sê-lo-ão? Tenho sérias dúvidas. E só um valente sacolejão nesta mentalidade de serventuários de uma ideologia que está a destruir nações, poderá, acaso, alterar as coisas.
O paganismo de Dacosta
As viagens, todas as viagens, são um convite ao sonho e à capacidade criativa de quem as faz. Já percorri meio mundo e não me apetece muito mais. Alimentei, durante anos, a fantasia de visitar Cuba (tenho lá dois livros belamente traduzidos) e apertar a mão a Fidel Castro, o herói da revolução que apaixonou minha geração. Não foi possível. Paciência, mas ficou o sonho. Agora, ao ler o livro de reportagens e crónicas, "Viagens Pagãs", do meu amigo e grande jornalista Fernando Dacosta, emergiram na memória alguns trechos e episódios (por exemplo, os do Brasil, com ele, a Agustina e o Jorge Sá Borges) e ocorreu-me a imposição de que tudo o que fomos vendo está mais no nosso coração e na nossa alma do que na visão antiga das coisas. O Dacosta é um grande viajante porque ama as pessoas; porque escreve como poucos a misteriosa sinfonia do sentir: e porque faz memórias como quem idealiza quadros. Nesta pessegada que por aí se publica, "Viagens Pagãs" é um refrigério e uma festa. Um grande abraço ao velho amigo e camarada, pelo belíssimo documento humano, ético e moral, abraço extensivo ao editor da Parsifal, Marcelo Teixeira, por prestar um excelente serviço à cultura portuguesa.