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30 de Abril de 2021 às 10:20

Esta economia não é para (os cada vez menos numerosos) novos

Os jovens, apesar das qualificações elevadas decorrentes de investimento em educação e algumas tentativas de correção da fragmentação do mercado de trabalho nos últimos anos, ganham menos que os pais com a mesma idade.

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Recentemente, o Eurostat reportou a queda de nascimentos na UE em 2019, pelo terceiro ano consecutivo. Nesse ano, a taxa de fertilidade atingiu 1,53%, que compara com 1,57%, anterior pico registado em 2016. Este valor contrasta com 1,78% nos EUA ou 1,37% no Japão. A realidade da fertilidade na UE é muito variada com países como Espanha ou Itália com taxas de 1,23% e 1,27% (a segunda e terceira taxas mais baixas), respetivamente, enquanto França com 1,86% encabeça a lista dos países mais “férteis”, seguida pela Roménia (1,77%) e Chéquia, Irlanda e Suécia (todos com 1,71%). Outra tendência reforçada é o contínuo aumento dos nascimentos de mães estrangeiras (originárias de países dentro ou fora da UE).

Esta semana, o Instituto Nacional de Estatística publicou os últimos dados sobre evolução demográfica em Portugal. Sem surpresas, o saldo natural deteriorou-se por acentuado aumento dos óbitos e queda dos nascimentos. Tem de se recuar a 2013 e 2014 para se observar valores de nados-vivos inferiores aos registados em 2020. Aliás, se antes da crise de 2012/2013, os nascimentos atingiam valores próximos de 90.000/ano, nos anos posteriores à crise económica, apesar da subida da natalidade, os patamares anteriores não foram recuperados.

Olhando para a fertilidade na Europa, esta caiu também durante a crise da dívida soberana europeia e embora tenha recuperado até 2016 para o patamar anterior, declinou desde então. Coincidência ou não, causa ou consequência, à exceção de Malta, os países da Zona Euro com menores taxas de fertilidade coincidem com as economias mais afetadas pela anterior crise económica (Espanha, Itália, Chipre e Grécia). Enquanto Portugal, Grécia e Chipre recuperam, pelo menos parcialmente, os indicadores de fertilidade, Espanha e Itália continuam a assistir à sua deterioração. A decisão de ter filhos parece ter raízes para além de uma recessão económica.

Ao longo desta semana, o Financial Times tem vindo a publicar uma série de editoriais intitulada: “A New Deal for the Young”, em que, com base num inquérito a 1.700 jovens com menos de 35 anos de vários países em todo o mundo, tenta fazer eco das suas preocupações. Estas não constituem uma surpresa, concentrando-se em questões relacionadas com o acesso ao mercado de trabalho e habitação, segurança nas pensões, alterações climáticas. Excetuando as questões climáticas, a insegurança no emprego/rendimento domina. Os jovens, apesar das qualificações elevadas decorrentes de investimento em educação e algumas tentativas de correção da fragmentação do mercado de trabalho nos últimos anos, ganham menos que os pais com a mesma idade, não conseguem comprar habitação própria ou arrendar (ou necessitam de aval dos pais), demoram mais tempo a encontrar emprego após uma crise, terão menores pensões que os pais, e encontram-se entre os grupos mais afetados por crises económicas, seja pela maior probabilidade de perda do emprego no imediato, seja ao longo da sua vida ativa por via de menor rendimento devido ao mau momento da entrada no mercado de trabalho. A questão do acesso à habitação e a uma reforma segura depende diretamente de segurança de rendimento, embora não exclusivamente. As dinâmicas laborais dominadas pela fragmentação e pela estagnação de rendimento tornaram-se potencialmente mais disruptivas com a nova crise pelo reforço relativo do favorecimento dos incumbentes, pelo enraizamento de fracas perspetivas de rendimento e carreira, pela revolução em curso nas relações laborais ditada pela digitalização, robotização, adoção de inteligência artificial, vulgarização do trabalho remoto e independente.

É difícil acreditar numa retoma económica inclusiva, expansão do crescimento potencial, atração e retenção de talentos, ou avanços na tendência demográfica secular, sem oferecer melhores perspetivas de vida às populações mais jovens (em termos de trabalho/emprego, rendimento e ambiente). Se, como se observa no contributo para a taxa de fertilidade europeia das mulheres estrangeiras e para a atividade nalguns setores, os desafios demográficos no curto prazo podem ser contrariados com maior e mais estruturada abertura das portas à imigração, tal não alivia a necessidade de assegurar igualdade de oportunidades, direitos e deveres, designadamente no mercado de trabalho e acesso à habitação. Pelo contrário, intensifica essa exigência.

 

Os desafios demográficos no curto prazo podem ser contrariados com maior e mais estruturada abertura das portas à imigração.
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