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Carlos Almeida Andrade - Economista 08 de Setembro de 2016 às 20:25

O risco de complacência

Com o último mês marcado pela propensão ao risco e baixa volatilidade nos mercados financeiros, é fácil cair num risco de complacência no que respeita ao actual momento da economia mundial.

Em torno de 1,5% na Zona Euro e nos EUA, o crescimento é historicamente baixo para uma fase tão avançada do ciclo económico, enquanto a inflação se mantém teimosamente (muito) abaixo das metas. Neste contexto, os principais bancos centrais têm conduzido políticas monetárias fortemente expansionistas, levando os juros para níveis próximos de zero, ou negativos, e injectando directamente liquidez no sistema, através da compra de títulos de dívida pública e privada. Com os retornos pressionados em baixa, a procura por rendibilidades alternativas mais elevadas tem levado os investidores a aumentar a exposição a activos financeiros de maior risco e/ou com maturidades mais longas, com o conforto de que a posição dos bancos centrais não se deverá alterar tão cedo (a ideia do "lower for longer" parece estar a dar lugar ao "lower forever").

 

No entanto, tem vindo a aumentar o cepticismo sobre a eficácia de políticas monetárias tão expansionistas como as actuais. Um argumento prende-se com os impactos negativos que os juros muito baixos têm na rentabilidade do sector bancário, que pode, assim, ver limitada a sua capacidade de concessão de crédito à economia. Um outro argumento, mais fundamental, defende que a distorção do preço do dinheiro introduzida pelos bancos centrais impede que os recursos disponíveis sejam canalizados para os projectos mais produtivos e com impacto mais positivo no crescimento. Se o dinheiro é livre e ilimitado, tudo consegue ser financiado sem pressões de racionalidade ou eficiência. Os recursos continuam a ser canalizados para projectos pouco racionais e com contributos irrelevantes (ou até negativos) para o crescimento económico. Neste contexto, a produtividade tende a baixar, condenando as economias a um crescimento baixo perpétuo.

 

Estes argumentos podem ser algo injustos para os bancos centrais, uma vez que a sua posição reflecte uma aprendizagem da História, tendo provavelmente ajudado a evitar uma nova Grande Depressão. Mas é difícil, também, não reconhecer os rendimentos marginais decrescentes dos estímulos monetários, bem como os perigos potenciais associados a aumento da exposição ao risco por parte dos investidores. Neste contexto, parece evidente que a política monetária deveria ser complementada por outros "motores" de crescimento. Em certos casos (e não em todos!), a política orçamental poderia assumir uma atitude mais expansionista. Mas esta opção também pode levantar algumas questões - por exemplo, nos EUA, a economia estará já próxima do pleno emprego, pelo que estímulos à procura, sem mais nada, podem não fazer muito sentido. E em economias muito endividadas e vulneráveis, essa via pode gerar efeitos perversos. Parece, então, fundamental, contar com o suporte de políticas estruturais que acelerem a produtividade (que tem vindo a abrandar) e o potencial de crescimento das economias. Seria também importante contar com políticas que favorecessem o comércio global, uma importante fonte de crescimento económico. Infelizmente, o ambiente populista, nacionalista e proteccionista que se observa hoje no mundo não permite esperar grandes avanços nestas duas frentes. Em suma, uma atitude complacente perante a actual conjuntura económica não é, de todo, aconselhável.

 

Economista

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