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Carlos Almeida Andrade - Economista 10 de Maio de 2017 às 21:05

A confiança em máximos de 17 anos…

O "survey" mais recente da Comissão Europeia, relativo a Abril, revelou que o indicador de confiança dos consumidores portugueses se encontra em máximos desde Julho de 2000.

Depois disso, apenas estivemos perto do registo actual em Janeiro de 2010. Olhando não para o nível, mas para a variação deste indicador, o actual período de melhoria do sentimento das famílias encontra paralelos também no final da década de 1990 e entre 2008 e 2010. Estes podem ser descritos como períodos em que se permitiu um padrão de crescimento insustentável na economia portuguesa. Entre 1995 e 2000, o PIB registou um crescimento médio anual de 4,1%, mas o défice externo agravou-se de 0,9% para 9,6% do PIB. 


A economia portuguesa não fez a melhor gestão de um período positivo e não se preparou devidamente para os "choques" da globalização e da moeda única. Seguiu-se uma década com um crescimento médio de 0,8%, marcado por esforços pouco convictos de correcção dos desequilíbrios nas contas públicas e externas. No final da década seguinte, a economia mundial deparou-se com uma crise económica e financeira sem precedentes nos 80 anos anteriores. Ignorando as suas vulnerabilidades estruturais e as suas desvantagens competitivas, Portugal abraçou uma suposta lógica keynesiana, que se traduziu momentaneamente numa recuperação do consumo privado e do investimento (e na melhoria da confiança dos consumidores), levando o PIB a crescer perto de 2% em 2010. Ao mesmo tempo, o défice público subiu para 11,2% do PIB e a dívida pública prosseguiu uma tendência ascendente. Mais uma vez Portugal não reagiu devidamente a um choque externo (que se anunciou alguns anos antes da chegada da troika). O que se seguiu é conhecido (queda acumulada do PIB de 7%, necessidade de assistência financeira externa, etc.).

 

Algumas das condições em que a economia portuguesa vive hoje são diferentes, e melhores. Portugal apresenta um excedente nas contas externas, o défice público reduziu-se para 2% do PIB e as condições de financiamento beneficiam da política fortemente expansionista do BCE. Mas o consumo privado expande-se a partir dos juros baixos e com a "reposição de rendimentos" resultante da reversão de medidas da troika, levando a confiança dos consumidores a máximos de quase 20 anos. O desemprego recua e o crescimento do PIB pode aproximar-se de 2% em 2017.

 

Esta evolução da conjuntura é positiva e desejável. No entanto, é legítimo perguntar se os fundamentos justificam uma melhoria tão forte dos indicadores de confiança, alimentada e propagada no espaço político e na comunicação social. É preferível "vender" a ideia de que as coisas estão todas bem, esperando que isso alimente a confiança, as decisões de consumo e investimento e, logo, o crescimento? Ou é preferível actuar sobre as vulnerabilidades estruturais e sobre as desvantagens competitivas que a economia ainda apresenta, evitando cair numa perigosa complacência? Portugal continua a enfrentar enormes desafios: o endividamento mantém-se muito elevado; as empresas apresentam níveis muito baixos de autonomia financeira; a desigualdade de oportunidades é um entrave ao crescimento potencial, que se mantém insuficiente; a retirada de estímulos monetários pelo Fed e pelo BCE deverá tornar-se progressivamente mais visível; o avanço de forças extremistas à esquerda e à direita mantém-se um risco; o envelhecimento da população e a transição para uma crescente automação da actividade produtiva deverão gerar enormes problemas sociais, económicos e financeiros; etc.

A conjuntura pode (e deve) ainda melhorar, mas é imprudente ignorar que, no contexto europeu, Portugal se mantém na linha da frente da vulnerabilidade a choques negativos. A realidade não mudou e os problemas não desapareceram, ainda que falemos menos deles. Num ambiente em que a prioridade é dada à "reposição", à "normalização" e à resposta a diversos grupos de interesse (que se fortalecem e perpetuam), corremos o risco de repetir erros do passado, não nos preparando para as exigências e riscos da nova economia global.

 

Economista 

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