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11 de Junho de 2017 às 17:50

Contas públicas: "What lies beneath"

No meio do recente fluxo de notícias tão positivas sobre Portugal (défice a cair, economia a crescer, "boom" no turismo, Benfica campeão, confiança em máximos de 20 anos, etc.) tende-se a perder, um pouco, o escrutínio mais apertado das coisas.

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Por exemplo, como se reduziu exactamente o défice público em 2016? O saldo orçamental total regista uma melhoria de -4,4% para -2% do PIB. O registo de 2015 foi penalizado pelo custo da resolução do Banif, que terá aumentado o défice em 1,4 pontos percentuais (pp). Já em 2016, os factores não recorrentes (programa PERES e devolução de margens pré-pagas do FEEF) terão beneficiado o saldo orçamental em 0,4 pp. Assim, excluindo estes factores, o défice público reduziu-se, em 2016, de 3% para 2,4% do PIB, i.e., uma melhoria de 0,6 pontos percentuais. Destes 0,6 pontos, 0,3 serão explicados pela redução do peso dos juros no PIB, de 4,9% para 4,6%. Ficam, assim, 0,3 pontos de melhoria por explicar. Acontece que a componente cíclica do saldo orçamental, i.e., a parte do saldo explicada pelo efeito automático da actividade económica sobre as receitas e despesas públicas, terá contribuído para uma redução do défice próxima de 0,6 pp. Em termos líquidos, ficamos, então, com uma deterioração de 0,3 pp no saldo orçamental.

 

De facto, o saldo estrutural primário (i.e., o saldo orçamental excluindo "one-offs", juros e efeitos automáticos do ciclo económico, ou seja, o saldo que depende das decisões discricionárias de política orçamental) terá piorado, em 2016, de 2,2% para 1,9% do PIB. Isto significa que a política orçamental assumiu uma posição expansionista no ano passado. Em 2016, o défice total reduziu-se através da melhoria da actividade económica, da redução do peso dos juros e das medidas "one-off". Já as decisões discricionárias de política agravaram o défice em 0,3 pp. Isto resultou de medidas expansionistas de política fiscal e de um aumento da despesa corrente primária, associado aos aumentos do consumo intermédio (despesa em PPP), das prestações sociais e das despesas com o pessoal, não compensados pela forte queda do investimento público, nem por outras medidas menos visíveis, como o programa de reavaliação de activos das empresas, as cativações e alguns ajustamentos temporais na contabilização de receitas e despesas. É interessante constatar que o saldo estrutural primário (o tal que depende das decisões discricionárias de política orçamental) melhorou, entre 2010 e 2014, de um défice de 7% do PIB para um excedente de 2,7% do PIB. Esta tendência de melhoria foi interrompida em 2015, com uma deterioração de 0,5 pp no saldo, para 2,2% do PIB. Isto é, também em 2015, com o Governo anterior, a política orçamental foi expansionista. Esta posição prolongou-se por 2016, já com o actual Governo, com o saldo a recuar de 2,2% para 1,9% do PIB. A melhoria estrutural do défice foi feita até 2014. Nos últimos dois anos, tivemos políticas orçamentais expansionistas pró-cíclicas. Isto é, numa fase de expansão do ciclo económico, que por si só ajudou a reduzir o défice, a política orçamental "empurrou" ainda mais a expansão da actividade (isto depois das dificuldades provocadas por políticas restritivas pró-cíclicas forçadas, em 2012-13). Idealmente, a política orçamental deveria assumir um papel estabilizador.

 

A alguns meses da apresentação do Orçamento para 2018, é já muito visível (no aumento das greves e reivindicações) a pressão de diversos interesses instalados sobre a despesa pública. O ambiente de extremo optimismo em que vivemos é agradável, mas gera o risco de nos "esquecermos" de problemas que não desapareceram e de cairmos em erros do passado. A dívida pública permanece elevada e, apesar de todas as melhorias recentes (no turismo, no sector financeiro, etc.), Portugal mantém-se vulnerável a uma futura baixa do ciclo económico global, que chegará mais tarde ou mais cedo. Esperemos que a política orçamental não ceda a estas pressões. À superfície, tudo parecerá estar bem. Mas, se não prosseguirmos a melhoria estrutural das contas públicas e insistirmos em políticas expansionistas pró-cíclicas, inevitavelmente seremos obrigados, mais tarde, a voltar ao triste fado de apertar o cinto em tempos difíceis.         

 

Economista

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