Opinião
A "táctica do salame"
Quando se discutem os fundamentos do crescimento económico, há um factor que nunca pode ser ignorado: a qualidade das instituições. Em qualquer economia, as instituições conferem uma estrutura às interacções entre os agentes.
Isto significa que elas estabelecem as regras e os incentivos subjacentes a essas interacções (por exemplo, através do sistema de justiça, dos direitos de propriedade, das leis que regulam o funcionamento dos mercados, etc.). Neste contexto, as instituições procuram evitar abusos (e.g. corrupção, distorções da concorrência) ou situações extremas de vulnerabilidade (e.g. desemprego, pobreza). As instituições são também relevantes na medida em que promovem, ou não, as qualificações e a qualidade de vida das pessoas (e.g. sistemas de educação e de saúde) ou o seu grau de participação na vida em sociedade (e.g. defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão e de participação política, acesso a informação livre, etc.). Por último, mas não menos importante, as instituições permitem que uma sociedade agregue decisões, vontades e esforços, e "tome decisões" em conjunto, quer ao nível da actividade produtiva (e.g. empresas, associações empresariais, sindicatos) quer ao nível das decisões políticas, por exemplo, através de processos eleitorais democráticos e dos respectivos órgãos de soberania (e.g. parlamentos).
O que é importante perceber é que as instituições podem gerar resultados muito diversos ao nível da eficiência na afectação dos recursos, ao nível do equilíbrio na sua distribuição e, logo, ao nível do crescimento económico. Economias com melhores instituições correspondem, em regra, a economias com maior potencial de crescimento.
Neste quadro, não podem deixar de ser preocupantes os desenvolvimentos recentes, em diversos países, contribuindo para o enfraquecimento das estruturas que regulam e sustentam as interacções na vida social, política e económica. Vários exemplos podem ser destacados, oriundos de ambos os extremos do espectro político: o papel crescente dos "factos alternativos", da "pós-verdade" ou, mais simplesmente, da mentira descarada, no debate público e nos meios de informação - cada vez mais aceite como algo normal; a crescente descredibilização das análises fundamentadas e rigorosas, em favor das opiniões simplistas, populistas e daquilo que "se sente" ser verdade; a desvalorização das instituições democráticas e de defesa do Estado de Direito, em favor de uma suposta (e falsa) "devolução" do poder ao "povo"; a crescente intolerância e o boicote à expressão de ideias diferentes em conferências e nas universidades; etc.
Neste contexto, são também preocupantes alguns eventos recentes em Portugal, como (entre outros) os ataques políticos a instituições independentes, como o Conselho de Finanças Públicas ou o Banco de Portugal, com um importante papel de análise e escrutínio das políticas económicas; ou o inqualificável cancelamento de uma conferência na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, feito em nome da democracia mas, na verdade, violando os seus princípios mais básicos e asfixiando a liberdade de expressão. Talvez o que choca mais é não se ver nem se ouvir uma reacção mais firme e generalizada contra estas atitudes. Recordo-me da referência à "táctica do salame" na série "Yes, Minister". Podemos achar que estes eventos são uma coisa pequena, sem relevância (uma fatia fina do salame, nem se nota). Mas, se continuarmos a assobiar para o lado cada vez que uma fatia fina é cortada, um dia, quando finalmente acordarmos, poderemos dar conta de que um pedaço bem grande do salame (isto é, da nossa democracia) já desapareceu. Veremos, depois, as consequências.
Economista