Opinião
O "Acordo de Sintra"
Na última semana, os mercados financeiros foram surpreendidos por uma barragem de intervenções de responsáveis de Bancos Centrais, defendendo uma normalização gradual da política monetária nas respectivas economias.
Janet Yellen reafirmou a intenção de a Reserva Federal americana reduzir gradualmente o seu programa de compra de dívida, esperando ainda subir os juros de referência uma vez este ano e três vezes em 2018 (o mercado antecipava apenas uma subida neste período). Yellen afirmou, ainda, que, de acordo com algumas métricas, a valorização de alguns activos parece "elevada". John Williams, do Fed de São Francisco, acrescentou que se poderá estar a observar uma "excessiva tomada de risco" nos mercados financeiros, com o nível baixo de taxas de juro a incentivar a procura de rendibilidades elevadas em diversos activos. Em Sintra, no Fórum de Banca Central organizado pelo BCE, Mario Draghi defendeu que os factores que pressionam a inflação em baixa se revelarão temporários e que, eventualmente, se justificará um "ajustamento" gradual dos instrumentos de política. O BCE vê a actual política monetária como eficaz no estímulo à procura interna, esperando, por isso, que venha a gerar uma tendência gradual de "reflação". Também na conferência de Sintra, o Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, defendeu que, num cenário de recuperação do investimento na economia britânica, e num contexto de depreciação da libra que pressiona a inflação em alta, poderia equacionar-se uma elevação dos juros de referência. Outros responsáveis de bancos centrais (e.g. Canadá, Suécia) apresentaram também, na última semana, perspectivas menos agressivas para as respectivas políticas monetárias.
O mercado reagiu de forma adversa a estas intervenções simultâneas e coincidentes (ou coordenadas?) dos bancos centrais a favor de uma normalização gradual da política monetária, a que já se dá nome de "Acordo de Sintra". De facto, o mercado preocupa-se com a postura mais agressiva dos bancos centrais numa altura em que a inflação se mantém longe das metas, e teme que a eventual adopção de uma política monetária mais restritiva seja um erro, com impactos negativos na actividade económica e nos mercados. Já os bancos centrais, com as economias mais fortes (e.g. EUA próximos do pleno emprego) e com os efeitos dos estímulos de política, esperam a reversão de alguns factores responsáveis pela baixa inflação, incluindo os efeitos da forte queda do preço do petróleo de 2014-16, a compressão das margens das empresas e a pressão em baixa dos salários. Importante, também, é a preocupação dos bancos centrais em moderar o que vêem como valorizações elevadas de activos, em função de tomadas excessivas de risco (outros factores poderiam ainda ser referidos: os efeitos perversos dos juros extraordinariamente baixos, que sustentam "maus" investimentos e uma baixa do crescimento potencial das economias; ou a necessidade de os bancos centrais recuperarem algum "poder de fogo", i.e. margem para descer juros, para combater a próxima recessão).
O que é, também, importante compreender é que os bancos centrais não decidem com base na informação económica pontual do último mês, mas sim com base em tendências, e com um horizonte de médio prazo. Medidas de política monetária anunciadas hoje podem gerar impactos na economia apenas num prazo em torno de 18 meses. Ora, as economias em causa parecem manter crescimentos razoáveis, exibindo melhorias claras no mercado de trabalho. Com os efeitos desfasados dos fortes estímulos monetários e orçamentais, faz sentido esperar que, eventualmente, a inflação e as expectativas de inflação se elevem moderadamente (ainda que se mantenham contidas por factores estruturais, como a globalização). Mas é pouco provável que a retirada de estímulos monetários seja feita de uma forma abrupta. Ela deverá ser cuidadosa e muito gradual, com as políticas monetárias a manterem-se expansionistas ainda por um período de tempo longo. Claro que persistem diversos riscos, sobretudo de natureza política. Poderemos, assim, esperar também mercados mais voláteis do que nos últimos tempos.
Economista
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