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A resolução do BES seis anos depois: o alarme nas contas públicas

Os que criticam os efeitos sobre as contas públicas – e lamentam os lesados – são os mesmos que aprovaram a resolução e/ou a venda. Estão indignados e querem esclarecimentos, numa pobre e implícita confissão de incompetência e ignorância.

A passagem dos seis anos sobre a expropriação do BES em 2014 foi marcada por dois acontecimentos: o alarmismo hipócrita da classe política, que só agora se mostra preocupada com o efeito nas contas públicas e a conclusão, pela PGR, da acusação do processo principal do caso BES. Em ambas as situações ressalta a incompreensão do funcionamento do sistema financeiro e a incompetência para lidar com o caso, preservando o interesse nacional.

A acusação pública centra-se em aspectos e movimentos financeiros particulares e incompletos, revelando conhecer mal o funcionamento dos sistemas bancário e monetário. Ignora o papel dos horizontes temporais e o tempo de maturação dos negócios. Vistos pelo prisma míope da acusação, toda a banca seria uma organização criminosa, como, aliás, a esquerda amiudadas vezes insinua e os seus extremos quase sempre proclamam. Trata-se de acusação tardia e selectiva em que parte importante dos agentes envolvidos – com destaque para a classe política – são poupados ao enviesado crivo adoptado pelos acusadores públicos.

O sexto aniversário da resolução foi também pautado pela revelação de novos dados sobre o ónus acerca das contas públicas, com manobras da classe política sobre auditorias e revelações pela falta de transparência dos contratos saídas a conta-gotas.

As promessas de encargos ligeiros ou nulos para as contas públicas tanto na resolução como da venda – como era expectável e estava inscrito na lógica da resolução – não se cumpriram.

Quando até há bem pouco tudo estava bem para o Governo, este passou repentinamente a defender a proibição de novas vendas de créditos problemáticos pelo Novo Banco e uma auditoria ao BES/Novo Banco para o período 2000-2018 sofre um atraso inexplicável.

O alarmismo criado vem acompanhado de distribuição de culpas. Estas são centradas apenas nos efeitos sobre as contas públicas – a parcela menor dos efeitos negativos da intervenção pública no BES:

– Uns culpam o ministro Centeno, o BCE, o Banco de Portugal, o Fundo de Resolução, a Ernest & Young, a Comissão de Acompanhamento do Mecanismo de Capital Contingente do Novo Banco, o agente verificador designado pelo Fundo de Resolução;

– Outros acusam os responsáveis políticos e os reguladores de ocultarem a dimensão do buraco que seria visível desde o início;

– Outros ainda, vêem nisto apenas a ganância dos accionistas e dos gestores, coisa, dizem, sempre inerente à própria banca privada.

Nenhuma destas “explicações” é relevante.

As acusações de incompetência àquelas entidades são infundadas – o problema está na própria resolução e consequente destruição do grupo.

Os buracos que agora aparecem em grande parte foram gerados pelas lógicas, primeiro da resolução e, depois, da venda do banco. Os auditores não estavam cegos. Não viram o que não poderiam ver, porque não existia. Optar agora por acusar de incompetência os auditores e responsáveis que trabalharam em cima das decisões de resolução e de venda é que é a verdadeira incompetência analítica. Da mesma forma, os lesados do BES tornaram-se lesados por efeito da resolução que interrompeu o curso normal das operações. Não reconhecer isto é ignorar como funciona na realidade o sistema financeiro.

Os que criticam os efeitos sobre as contas públicas – e lamentam os lesados – são os mesmos que aprovaram a resolução e/ou a venda. Estão indignados e querem esclarecimentos, numa pobre e implícita confissão de incompetência e ignorância.

Por fim, deve ser fortemente sublinhado que o efeito sobre as contas públicas é o efeito menos lesivo da resolução. Mais importantes são os efeitos qualitativos sobre a economia portuguesa que poucos consideram mas que constituem o principal resultado da forma como os poderes públicos responderam, em 2014, às dificuldades do banco1. Num próximo artigo abordarei esta questão.

 

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