Opinião
A epidemia e a renacionalização das cadeias globais de oferta
A análise dos efeitos económicos da actual epidemia revela que os problemas surgidos derivam do confinamento - interno e externo - imposto pelos governos e pela própria doença e não da existência de cadeias de oferta globais.
Para além do efeito imediato da quebra do PIB, a epidemia e o confinamento1 estão a desencadear consequências nocivas de mais longo alcance que deveriam ser prevenidas. De entre estas, é de especial gravidade a renacionalização das cadeias globais de oferta.
No caso da UE, este objectivo vem no plano de recuperação que integra agora o "Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027". Associado aos fundos é colada uma política industrial e a regionalização / nacionalização das cadeias globais de oferta.
Não se trata de dar resposta a situação conjuntural, como seria a de facilitar, provisoriamente, o aparecimento de cadeias de produção locais alternativas às que já estão agora em ruptura. Trata-se, antes, de uma opção de fundo e longo alcance.
O novo esquema de fundos da UE será adaptado especialmente para aqueles que operam em cadeias de valor estratégicas europeias e visa também impedir aquisições hostis de investidores de fora da UE.
Este contributo europeu para a desglobalização é um erro tremendo(2).
A análise dos efeitos económicos da actual epidemia revela que os problemas surgidos derivam do confinamento - interno e externo - imposto pelos governos e pela própria doença e não da existência de cadeias de oferta globais(3).
A maior parte da contracção económica tem origem nas ocorrências internas. O problema é o confinamento e não as cadeias de globais de produção. Reduzir a participação nas cadeias globais de oferta não torna os países mais resistentes aos choques de oferta provocados pela pandemia. Reduzir a dependência externa aumenta a dependência da oferta interna. Mas, se esta está sujeita a confinamento, a renacionalização não diminui a contracção. A renacionalização só tornará o país mais resistente se implementar um confinamento mais suave que o do exterior. As grandes diferenças que se estão a verificar entre os países, no que concerne aos impactos económicos da pandemia, remete mais para as políticas de confinamento interno seguidas do que para as participações das cadeias globais de oferta. Globalmente o efeito interno representa 2/3 da quebra do PIB, contra 1/3 de transmissão externa. Eliminando a dependência dos inputs externos aumenta a dependência interna. Como na pandemia a parte interna também é afectada não há nenhum efeito positivo da renacionalização; pelo contrário, a renacionalização das cadeias de oferta não torna as economias menos resilientes. Os efeitos dos confinamentos internos mais apertados são minorados pela elevada participação nas cadeias globais.
Os Estados pretendem agora usar a pandemia para justificar a ampliação de tendências que já vêm desde a crise financeira de 2008, assustando as populações, quando deveriam ponderar a deficiente preparação dos sistemas de saúde e, em especial, as precárias reservas estratégicas de inputs.
O impulso para o retrocesso vem, principalmente, de França, Alemanha e EUA. Infelizmente é uma ditadura, a China, que está do lado certo.
Esperemos que a dependência mútua e os elevados custos associados à renacionalização travem o processo. Mas o perigo é enorme, no aproveitamento da pandemia para relançar os velhos demónios do nacionalismo.
Em geral, as restrições comerciais precedem e induzem a guerra.
A competição bélica é a alternativa à competição económica.
(1)O confinamento não é, por si só, causa única da quebra económica. Mas, a quebra devido apenas à epidemia seria cerca de metade daquela que efetivamente ocorreu com o confinamento.
(2)No caso da UE, o erro é especialmente gravoso. Não tem integração semelhante ao dos EUA ou à China - o que permitiria minorar algumas desvantagens da desglobalização - como seria com um mercado verdadeiramente unificado nos serviços, no trabalho e na segurança social.
(3)Por exemplo: B. Bonadio et al., Global Supply Chains in the Pandemic, NBER Working Papers, Maio de 2020.
Economista e professor no ISEG
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico