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Contratos de alcova  

Inês Pedrosa geriu a casa Fernando Pessoa durante seis anos e é agora arguida num processo por abuso de poder.

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Alegadamente a escritora adjudicou serviços artísticos à empresa do então namorado, com a curiosidade do escritório da referida firma funcionar na mesma morada onde habitava a directora que adjudicava as encomendas. Em causa estão faturas superiores a 9.500 euros. Uma espécie de contratos de alcova, pagos com dinheiro público.

 

Perante tais indícios é natural e saudável que a responsável seja investigada. Mas eis que me surpreendo com uma manifestação pública de solidariedade de dezenas de intelectuais e outras figuras públicas, algumas das quais até estimo.

 

Manifestar solidariedade por um amigo é um ato nobre, mas a justiça tem de ser cega, surda e apurar os factos. A má despesa pública é um cancro que lesa a economia e penaliza os contribuintes. E é moralmente tão mau desperdiçar dinheiro na cultura, como na saúde. A ética republicana exige transparência na gestão da "res pública". E mesmo que não se apure nenhum crime, há um verdadeiro atropelo ético. Os negócios conjugais com dinheiro público devem ser impedidos. É tão grave esta prática como a dos políticos que contratam as mulheres e filhos para os serviços que tutelam.

 

Ter desempenhado um bom trabalho em determinada missão pública não dá créditos para estes atropelos. Porque se não ligamos a estas situações, por serem trocos, também perdemos legitimidade para exigir justiça no desfalque de milhões do erário público, que nos empobrecem e agravam o eterno saque do Fisco para tapar os buracos incessantes.

 

Mas neste país ainda reina em certa elite um espírito de casta descrito numa frase lapidar por um dos arquitectos deste regime: "Para os amigos tudo, para os inimigos nada e aos restantes aplique-se a lei".

 

Director-adjunto do Correio da Manhã

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