Opinião
Um peixinho chamado Greta
Numa sociedade em que produtos, pessoas, organizações, culturas e até nações são descartáveis, é provável que a jovem ativista Greta passe dentro em breve à condição e à relevância de um pequeno peixe perdido num enorme oceano que tudo arrasta.
O mundo está doente e não há planeta B. São verdades absolutas que ninguém pode esquecer. Mas mesmo que quiséssemos esquecer ninguém nos deixava. As campanhas em torno das alterações climáticas e a necessidade permanente de "fazer ruído" sobre as questões ambientais leva tanto a análises, estudos e debates sérios, como a aproveitamentos indevidos de situações dramáticas ou ao mediático surgimento de personagens invulgares.
O espaço ocupado pela jovem sueca Greta Thunberg, promovida a ativista do clima e que tem no currículo uma proposta de greve estudantil, "baldar-se" às aulas e um protesto junto ao parlamento do seu país, é inversamente proporcional à sua relevância se considerarmos que o conhecimento é condição fundamental para a intervenção pública especialmente em palcos mundiais.
No mundo acelerado da comunicação e aproveitando a velocidade descontrolada e ausência de escrutínio das redes sociais, eis que este tipo de fenómenos é explorado de forma impiedosa seja pelos que os apoiam seja pelos que se lhes opõem.
Confesso que me faz alguma confusão ver alguém com esta idade dar lições de moral ao mundo de forma mais eficaz do que os governantes que deveriam estar ocupados a salvar o que ainda é possível ou do que uma comunidade científica impotente e tantas vezes olhada com desconfiança. Sinal do tempo que vivemos. Mas também não sou ingénuo a ponto de pensar que tudo é consequência apenas da pureza e da bondade que brotam do coração de uma criança…
Também nas causas ambientais vivemos de modas e, correlativamente, de alguma falta de equilíbrio e de ponderação no tratamento dos problemas. Nem todos os males têm a mesma urgência ou gravidade, nem todas as pessoas têm a mesma atitude ou comportamento. Não tenhamos ilusões. Existem muitos interesses económicos por trás de quem mais polui. Mas existem também, provavelmente até com maior intensidade, interesses económicos pouco recomendáveis e ainda menos transparentes por trás destas campanhas mediáticas e do recurso a "atores" cândidos e angelicais.
Do carvão ao chumbo, do plástico ao papel, dos dejetos animais às beatas, dos medicamentos ao lítio, da carne de vaca ao atum, do sal ao açúcar, somos confrontados com milhares de situações que ontem eram vistas como sinais de desenvolvimento ou de progresso e são hoje tratadas como atentados ambientais e ameaças ao futuro do planeta.
Numa sociedade em que produtos, pessoas, organizações, culturas e até nações são descartáveis, é provável que a jovem ativista Greta passe dentro em breve à condição e à relevância de um pequeno peixe perdido num enorme oceano que tudo arrasta. O mundo, esse, estará provavelmente a cada dia mais doente e o planeta B continuará a não ser alternativa. A menos que o secretário-geral das Nações Unidas, carregado de boas intenções, mas com água pelo joelho, consiga fazer pelo clima aquilo que não consegue fazer pela paz.
Jurista