Opinião
Será desta que reinventamos o Estado?
Lamentavelmente, teremos de estar preparados para nos governar sozinhos e não contar com parceiros que, tal como nós, aceitaram fazer da solidariedade um dos pilares estruturantes da ideia da construção europeia.
Todos falam das ineficiências do Estado. Alguns querem-no omnipresente, outros pretendem-no mínimo. Em qualquer caso serão sempre os contribuintes portugueses a pagá-lo. O abalo sísmico que a pandemia provocou nas economias mundiais vai obrigar a uma reflexão profunda sobre os diferentes modelos de organização de cada país e sobre o seu financiamento. Em Portugal, novos problemas vêm juntar-se a velhas fragilidades provocando uma combinação que pode ser explosiva. Valerá por isso a pena iniciar um debate que, para ter sucesso, terá de se despir de preconceitos de natureza partidária.
Sabemos que os portugueses, sejam pessoas ou empresas, estão obrigados ao cumprimento de obrigações fiscais e outras (as tais taxas e taxinhas), absolutamente asfixiantes e limitadoras do crescimento do investimento ou da poupança. Independentemente de ser ou não a maior, certo é que a nossa carga fiscal é brutal. E para que serve? Basicamente para suportar os serviços que o Estado nos assegura e para liquidar dívida pública. Tendo consciência de que a riqueza produzida vai sofrer uma forte redução, que o rendimento dos contribuintes vai baixar substancialmente e que a dívida pública vai conhecer um forte incremento, é normal perguntar como é que tudo isto se equilibra sem que a carga fiscal, a tal que já é insuportável, aumente ainda mais. Difícil equação esta.
O aumento da dívida pública para fazer face aos efeitos da pandemia é inevitável e o montante global dos danos provocados à economia poderá chegar, se não mesmo ultrapassar, o do resgate de 2011. Com uma Europa dividida e desgovernada, parece impossível encontrar uma solução global de perdão de dívida e muito dificilmente se chegará sequer à sua mutualização. Neste quadro, lamentavelmente, teremos de estar preparados para nos governar sozinhos e não contar com parceiros que, tal como nós, aceitaram fazer da solidariedade um dos pilares estruturantes da ideia da construção europeia.
Não podendo ter esperança na redução da dívida, ou melhor do seu custo, resta-nos olhar para as outras variáveis. A recuperação da atividade económica será lenta, assim como a do rendimento. Menor produtividade e menor rendimento equivalem a menor receita fiscal. Com menos dinheiro, o Estado não poderá assegurar o seu normal funcionamento. O choque irá ser forte. Ou corta a direito ou terá de se reinventar. Cortar a direito significa, do lado da despesa, retirar direitos aos trabalhadores, reduzir pensões, deteriorar ainda mais os serviços públicos, travar investimento essencial, pagar mais tarde a fornecedores, etc. Do lado da receita significa ir buscar dinheiro onde já não há, asfixiando os trabalhadores do setor privado e as empresas. Também aqui o resultado é conhecido, menos investimento e mais desemprego.
Reinventar o Estado significa fazer escolhas. Onde é que a comunidade exige que ele exista e onde é que a sua presença é insubstituível. Na administração da Justiça, na manutenção da defesa externa e da ordem interna e nos Negócios Estrangeiros. Há depois uma segunda linha de serviços públicos em que as autarquias, preferencialmente agregadas, poderão desempenhar o papel principal, em áreas como a educação, a saúde, a proteção civil e a segurança de proximidade, a garantia e prestação de apoios sociais. E mesmo nestes domínios não deverá excluir a colaboração, mais ou menos intensa, da sociedade civil. Reduzir a dimensão do Estado, aumentar a sua eficiência e proximidade e libertar a atividade económica geradora de crescimento e de emprego são condições de viabilização da nossa comunidade. Convirá iniciar esta discussão sobre o nosso futuro antes que alguém nos venha impor um que não queremos ou não consigamos suportar. Fica o desafio. Sem preconceitos.