Opinião
Quintas-feiras e poucos dias mais
Cavaco Silva foi o político português que mais tempo esteve em funções na história da democracia portuguesa. Foi ministro, foi primeiro-ministro e foi Presidente da República.
Mais de 20 anos de exercício direto do poder e mais alguns de influência sobre quem o exerceu. Convenhamos que esta longevidade, sendo embora resultado da vontade popular, não é habitual no espaço europeu.
Menos de um ano passado sobre a cessação de funções presidenciais, Cavaco oferece-nos mais uma obra com o elucidativo título de "Quintas-feiras e outros dias". Embora tenha sido o pretexto, prestar contas não foi certamente o objetivo do antigo Presidente. Das duas uma, ou quis acertar contas pessoais com alguém ou pretende informar que a sua vida política ainda não chegou ao fim. Nele não surpreende.
O isolamento a que se condenou e a tentativa de passar a ideia de que não era um político como os outros seria indiferente aos olhos de todos não fora o facto de termos um novo Presidente que, com admirável sucesso, faz da proximidade e do reforço da relação de confiança entre eleitores e eleitos as suas principais bandeiras. No fundo, tudo ao contrário. E Cavaco, em família, não deve aceitar com facilidade a dura realidade da constatação da sua continuada inutilidade política.
Sem compreender que as suas notas das reuniões das quintas-feiras com quem mandava no país são matéria reservada que eventualmente interessará aos historiadores dentro de um par de décadas, Cavaco veio dizer que não quer ser esquecido e que a sua voz deverá continuar a ser ouvida. Nem que para isso tenha de recorrer ao relato de episódios pessoais desinteressantes que não acrescentam nada ao que todos já conhecemos.
Felizmente Cavaco, enquanto Presidente, só trabalhava às quintas-feiras e ocasionalmente num ou noutro dia mais. Caso contrário teríamos de nos sujeitar aos próximos volumes desta novela degradante.
Jurista
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico