Opinião
O privado e o saloio
É legítimo um primeiro-ministro criticar uma empresa privada ou deve limitar-se a olhar para o que é público?
Desde que António Costa atacou a Portugal Telecom no Parlamento que o assunto paira no ar com insustentável leveza dos temas que à primeira vista parecem de sentido obrigatório: não, um primeiro-ministro de um país democrático não deve intrometer-se nos assuntos privados, deve abster-se de comentar, analisar e, portanto, pressionar o capital e as vontades não-públicas, deixando que estas sejam exclusivamente fiscalizadas pelos reguladores, pelos tribunais e também pelos consumidores, sendo este tríptico mais do que suficiente para condicionar a má gestão, a gestão delinquente ou ruim, obrigando-a a mudar de rumo.
Na verdade, esta delimitação rígida do que deve ser a relação de um governo com um empresa privada parece-me francamente insuficiente e até um pouco saloia. Parece-me pacífico afirmar que um governante deve ter todas as cautelas quando se pronuncia sobre seja qual for o assunto, seja para o elogiar ou criticar, porque o peso da sua opinião não se circunscreve à roda de amigos; e isto vale em simultâneo para o público e para o privado. O impacto nacional de uma opinião mal medida pode gerar desconfiança excessiva ou até um enganador incentivo.
Exemplos destes tiros ao lado temos alguns de recordação fácil. Lembro apenas dois. O genérico "gato por lebre" de Cavaco Silva, referindo-se ao capitalismo popular que, nos idos anos 90, animava o mercado de capitais; e, mais recentemente, as declarações avulsas feitas por responsáveis públicos sobre a extraordinária saúde à prova de bala do Banco Espírito Santo dois meses antes do colapso num fatídico domingo de agosto. Para o bem ou para o mal, calibrar defeituosamente uma opinião pode ter consequências funestas. Pode provocar prejuízos financeiros e mudanças de curso que afectam a engrenagem-chave das economias de mercado: a confiança.
O erro de António Costa ao atacar ao Portugal Telecom não é, portanto, o da raposa do Estado entrar de repente no sacrossanto galinheiro privado – uma ideia muito saloia –, transpondo uma fronteira teoricamente inviolável. O ponto consiste em sabermos se o que foi dito de maneira tão desabrida no Parlamento contra a Altice faz realmente sentido ou se o incontrolável impulso crítico teve apenas a ver com os incêndios e o tormentoso momento político que o Governo atravessava – e ainda atravessa –, no plano não-económico.
Não tendo ainda a certeza, porque as explicações do primeiro-ministro até agora foram pobres e breves – embora possam evoluir–, tendo a inclinar-me para a segunda hipótese por duas razões. Primeiro, porque o Governo foi amador. Foi apanhado de surpresa pelo espalhar descontrolado dos incêndios, apesar dos avisos e da história que se repete quase todos os anos, o que o levou a procurar os culpados mais à mão. Segundo, porque a justificação avançada no sábado por António Costa ao "Expresso", nas quais acusa a PT de usar postes e não calhas subterrâneas – que logicamente evitam a exposição às chamas –, não serve porque se trata de uma decisão da empresa muito anterior os incêndios deste verão.
Isto é, a Portugal Telecom tem estes postes transmissores desde sempre. Criticar agora esta escolha, depois desta opção técnica mais barata e frágil ter deixado aquela zona do país encurralada num mortal silêncio, soa a oportunismo político. Finalmente, afirmar que a crítica não é dirigida à Altice mas sim à PT é querer fazer uma distinção artificial com o objectivo de aligeirar a brusquidão anterior: para todos os efeitos são a mesma coisa. A PT faz o que o seu accionista quer, ponto final.
Criticar uma empresa privada é tão legítimo como fazê-lo a uma empresa pública – o que pertence a todos exige o mesmo cuidado, não menos. Seja como for, em ambos os casos deve ser feito com argumentos sólidos, expostos de maneira transparente, deixando para os tribunais e reguladores o trabalho de confirmar ou não a acusação. Se no fim chegarmos à conclusão que o Estado foi o verdadeiro responsável por ação e omissão - incluindo a falta de regulação quanto aos banais postes e calhas... –, então a crítica de António Costa à Altice pode ser rotulada de ideologicamente suspeita ou então de oportunista. Na verdade, Costa não é um perigoso chavista que despreza a iniciativa privada. É apenas um político a tentar sobreviver da pior maneira: limpando as mãos à parede.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
Na verdade, esta delimitação rígida do que deve ser a relação de um governo com um empresa privada parece-me francamente insuficiente e até um pouco saloia. Parece-me pacífico afirmar que um governante deve ter todas as cautelas quando se pronuncia sobre seja qual for o assunto, seja para o elogiar ou criticar, porque o peso da sua opinião não se circunscreve à roda de amigos; e isto vale em simultâneo para o público e para o privado. O impacto nacional de uma opinião mal medida pode gerar desconfiança excessiva ou até um enganador incentivo.
O erro de António Costa ao atacar ao Portugal Telecom não é, portanto, o da raposa do Estado entrar de repente no sacrossanto galinheiro privado – uma ideia muito saloia –, transpondo uma fronteira teoricamente inviolável. O ponto consiste em sabermos se o que foi dito de maneira tão desabrida no Parlamento contra a Altice faz realmente sentido ou se o incontrolável impulso crítico teve apenas a ver com os incêndios e o tormentoso momento político que o Governo atravessava – e ainda atravessa –, no plano não-económico.
Não tendo ainda a certeza, porque as explicações do primeiro-ministro até agora foram pobres e breves – embora possam evoluir–, tendo a inclinar-me para a segunda hipótese por duas razões. Primeiro, porque o Governo foi amador. Foi apanhado de surpresa pelo espalhar descontrolado dos incêndios, apesar dos avisos e da história que se repete quase todos os anos, o que o levou a procurar os culpados mais à mão. Segundo, porque a justificação avançada no sábado por António Costa ao "Expresso", nas quais acusa a PT de usar postes e não calhas subterrâneas – que logicamente evitam a exposição às chamas –, não serve porque se trata de uma decisão da empresa muito anterior os incêndios deste verão.
Isto é, a Portugal Telecom tem estes postes transmissores desde sempre. Criticar agora esta escolha, depois desta opção técnica mais barata e frágil ter deixado aquela zona do país encurralada num mortal silêncio, soa a oportunismo político. Finalmente, afirmar que a crítica não é dirigida à Altice mas sim à PT é querer fazer uma distinção artificial com o objectivo de aligeirar a brusquidão anterior: para todos os efeitos são a mesma coisa. A PT faz o que o seu accionista quer, ponto final.
Criticar uma empresa privada é tão legítimo como fazê-lo a uma empresa pública – o que pertence a todos exige o mesmo cuidado, não menos. Seja como for, em ambos os casos deve ser feito com argumentos sólidos, expostos de maneira transparente, deixando para os tribunais e reguladores o trabalho de confirmar ou não a acusação. Se no fim chegarmos à conclusão que o Estado foi o verdadeiro responsável por ação e omissão - incluindo a falta de regulação quanto aos banais postes e calhas... –, então a crítica de António Costa à Altice pode ser rotulada de ideologicamente suspeita ou então de oportunista. Na verdade, Costa não é um perigoso chavista que despreza a iniciativa privada. É apenas um político a tentar sobreviver da pior maneira: limpando as mãos à parede.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
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