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10 de Setembro de 2017 às 20:32

Cristas de metro pela cidade

Não há uma solução única para o problema das casas, basta ver o fracasso de outras cidades quando pretendem combater a especulação imobiliária, alimentada pelos juros baixos.

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Assunção Cristas propõe-se construir 20 novas estações de metro em Lisboa. A ideia foi anunciada pela candidata do CDS em maio e serviu de tiro ao alvo desde esse fatídico mês primaveril. Ninguém levou a ideia a sério, não sobrou qualquer espaço público ou sequer mental para o assunto ser discutido. A coisa apresentou-se simplesmente como sendo bizarra e até mesmo bastante ridícula, quase obscena, uma aberração política, como se Cristas tivesse anunciado a construção de um novo Cristo-Rei na margem oposta do Tejo apenas para compor um pouco a paisagem ribeirinha e tapar a falta de ideias próprias para a cidade, juntando-lhe então uma conveniente pincelada de beatice. Neste caso, seria de modernice.

Depois do choque inicial, tenho pensado sobre o assunto. É verdade, comecei por achar a ideia estapafúrdia, uma loucura tipo TGV capaz apenas de acelerar a ruína das finanças de Lisboa e, portanto, do resto do país. O estender do metro seria uma espécie de gatilho para um novo período de esbanjamento nacional, o expresso para a falência com destino certo o regresso à casa de partida para o ternurento reencontro com o FMI. Depois de ter ouvido José Sócrates, em 2006, anunciar planos para investimentos públicos que totalizavam mais de 41 mil milhões de euros, fiquei vacinado sobre a seriedade destes arroubos de progresso.

E no entanto Assunção Cristas tem razão. Vamos esquecer por instantes o detalhe de o CDS ser oportunisticamente incoerente quanto à importância do investimento público no desenvolvimento do país. Depende dos dias, das marés e se está dentro ou fora do governo. Mas arrumado este buraco ideológico, a ideia de Cristas faz todo o sentido, a ambição está bem calculada, as contas não são escandalosas -- 20 estações custam 1,8 mil milhões de euros, que seriam distribuídos aos longo de 13 anos -- e acima de tudo a grande Lisboa precisa realmente de livrar-se de uma parte dos automóveis que a entopem e poluem, como bem sabe o atual presidente da câmara, Fernando Medina.

Todos os dias entram na capital mais de 370 mil carros, que se juntam aos outros pelo menos 150 mil que já moram por aqui, transformando o trânsito e o estacionamento num lodo igual ao de outras tantas cidades. Acontece que Lisboa é das cidades pior servidas de metropolitano. Madrid tem 12 linhas e 238 estações. Paris tem 16 linhas e 380 estações. Berlim tem 10 linhas e 173 estações. Londres tem 16 linhas e 270 estações. E Lisboa? Lisboa tem 4 linhas e 56 estações, um quarto das que existem na capital espanhola, sendo os planos (mais duas estações até 2022) manifestamente insipientes.

Podemos argumentar que a cidade precisava de outras obras antes de expandir o metro. Ora bem, essas obras públicas estão feitas e em regra bem feitas. Houve um momento de babilónica confusão urbana, há menos de um ano, mas espantosamente os trabalhos aconteceram ao ritmo e nos prazos previstos, apesar da habitual falta de informação. Lisboa está bem melhor. A recuperação privada dos prédios, antes a caírem aos pedaços, compôs o resto do ramalhete, e abriu espaço para olharmos de frente para a mobilidade, cruzando-a com o problema da habitação - isto é, do preço exorbitante do metro quadrado dentro da cidade.

Não há uma solução única para o problema das casas, basta ver o fracasso de outras cidades quando pretendem combater a especulação imobiliária, alimentada pelos juros baixos. O caminho passa então pela mobilidade das pessoas, valorizando áreas pouco atrativas também por serem mal servidas por transportes coletivos, destacando-se a ausência de metro, o mais eficaz meio de locomoção urbana - rápido, eléctrico (limpo) e barato. Ao volante pela cidade, um saudoso programa da TSF feito pelo arquiteto Manuel Graça Dias, deu lugar ao metro pela cidade. Sinal dos tempos: perde-se a vista, é verdade, mas ganham-se anos de vida.

P.S. Adolfo Mesquita Nunes seria o adversário certo para enfrentar Fernando Medina. Talvez daqui a quatro anos.

Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
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