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04 de Junho de 2018 às 19:29

Só a política pode preservar a democracia liberal (I) 

São muitos os sinais que apontam para um movimento de perda de hegemonia da democracia liberal, algo que nos parecia impossível quando assistíamos à queda do muro de Berlim.

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Na verdade, a democracia liberal foi uma das maiores conquistas políticas da humanidade, e os países que a adotaram dispõem de uma sociedade mais aberta, mais plural, com mais oportunidades, com mais qualidade de vida.

 

Ao contrário do que é opinião comum, esses países vivem hoje, como aliás o mundo vive, melhor do que nunca: os níveis de pobreza, subnutrição, analfabetismo, exploração no trabalho ou mortalidade infantil estão a ser reduzidos a uma velocidade nunca vista, ao mesmo tempo que o PIB per capita e os níveis de qualidade de vida crescem sustentadamente (para os que duvidam deste diagnóstico recomendo, desta vez, a leitura de "Progress: Ten Reasons to Look Forward to the Future", de Johan Norberg).

 

Apesar deste sucesso, muitos autores têm apresentado sinais de degradação da ideia de democracia liberal. Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk, que vêm estudando o que chamam de "deconsolidation of democracy", identificaram três: aumento do apoio a regimes autoritários; aumento do número de pessoas que já não vê nos sistemas democráticos as virtudes que durante décadas lhe estavam associadas; e, por fim, crescimento do número de pessoas que já não consideram essencial viver num sistema definido como democrático.

 

Esse contexto tem permitido o surgimento e a consolidação de movimentos populistas e autoritários que minam a relação dos cidadãos com a democracia liberal, mesmo em países que experimentam os benefícios de uma sociedade fundada na liberdade e na responsabilidade, enquadrada por uma economia de mercado.

 

Dir-se-á que os populistas não atacam a democracia porque vivem nela, são eleitos tão democraticamente quanto os outros e como os outros podem ser expulsos nas eleições seguintes.

 

Sucede que, como lembra Steven Levitsky, as democracias já não morrem por conflitos armados - morrem a partir de um lento processo interno de degradação das suas instituições, que é imposto por líderes democraticamente eleitos: Venezuela, Hungria, Rússia, Turquia, etc. Um movimento lento que não começa sequer com a vitória nas eleições, mas antes no debate que as precede, através da normalização, desde logo nas redes sociais mas não só, de propostas que alteram as regras democráticas ou através de um discurso de deslegitimação dos adversários, criando um clima propenso à degradação das instituições, muitas vezes chamadas de obsoletas, inadequadas, quando não corruptas ou elitistas.

 

Como explicar tudo isto? Como explicar que as democracias liberais estejam a ser atacadas no momento em que é possível comprovar que nunca como antes tanta gente viveu tão bem?

 

Tem faltado política, desde logo.

 

A lista de políticos que justifica o seu fracasso com elementos externos, que culpa os estrangeiros ou a Europa ou os bancos ou "eles" por tudo o que corre mal, é extensa. A lista de partidos que se revela incapaz de aderir, sem adversativas, à economia global, ao capitalismo, às liberdades de circulação, é extensa. Assim, não é de estranhar que a população se não aperceba do sucesso que experimenta num mundo global. Não podemos esperar outra coisa quando os políticos fogem como o Diabo da cruz de assumir a sua filiação na economia de mercado, com medo de parecerem capitalistas insensíveis.

 

Precisamos de política, portanto. De liderança. De gente que perceba o calibre dos oponentes que temos pela frente, desde logo na Europa, e que lhes saiba fazer frente, defendendo o nosso modelo económico e político sem medos: ninguém se deixa seduzir por líderes cheios de adversativas e sem coragem, por melhor que seja a situação económica em que viva.  

 

(continua na próxima semana)

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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