Opinião
O PS descongelou a sua moderação?
Vários responsáveis socialistas, com e sem funções de governo, vêm repetindo, ao longo dos últimos anos, a ideia de que o PS está hoje mais próximo da extrema-esquerda do que do PSD e do CDS.
O PCP e o Bloco não estavam fora do arco da governabilidade por acaso, por capricho. Estavam fora do arco da governabilidade porque, além de se filiarem em tendências políticas que desconfiam das democracias ocidentais, sempre advogaram uma governação irrealista, populista, tudo para todos, sem limites, que as contas só servem para atrapalhar a boa vontade.
Em 2015, estes partidos entraram no arco da governabilidade não porque tivessem alterado a sua natureza, se tivessem transformado em partidos de governo, deixando de ser meros partidos de protesto, mas porque o PS se aproximou deles, foi ter com eles, chegou-se a eles. Não foi a extrema-esquerda que se aproximou, se atualizou: foi o PS que se aproximou das extremas e, nesse sentido, se extremou.
Não foi um movimento escondido, este do PS. Vários responsáveis socialistas, com e sem funções de governo, vêm repetindo, ao longo dos últimos anos, a ideia de que o PS está hoje mais próximo da extrema-esquerda do que do PSD e do CDS. Houve mesmo membros do Governo a dizer que o PS não mais vai precisar do PSD e do CDS para governar. É um movimento assumido, portanto. Há quem não leve a sério, que ache que são umas frases feitas, uma habilidosa forma de manter o acordo das esquerdas, como se a mera e repetida afirmação de que o PS está mais próximo da extrema-esquerda não fosse de assustar.
Essa começou na oposição, com o PS a fazer um discurso muito próximo do PCP e do Bloco, olhando para a austeridade como uma opção, uma vontade, um desejo da pérfida direita, olhando para os cortes e restrições, muitos deles iniciados ou assinados pelo PS, como um desejo da direita em acabar com o Estado social, não aceitando, em quase circunstância alguma, a ideia de que não havia recursos suficientes para garantir todas as reivindicações.
Esse discurso, que permitiu depois o acordo das esquerdas, continuou no Governo, sob o mote do fim da austeridade. Mesmo quando corta, tira, retira, o Governo diz que está a dar, a repartir. Mesmo quando aumenta impostos e carga fiscal, o Governo diz que não é nada disso e que está a baixar. Mesmo quando obriga a esforços adicionais, o Governo diz que é tudo mentira, que está toda a gente melhor. No fundo, e já o disse várias vezes, mesmo quando aumenta a austeridade, ou a aplica, o Governo nega-a, e de forma veemente.
Essa circunstância tem permitido solidificar a aproximação do PS à extrema-esquerda porque tem retirado espaço a um discurso, próprio do centro político, de maior responsabilidade, de gradualismo, que tem noção de que a austeridade não resulta necessariamente de um desejo antes da necessidade de gerir os recursos.
É assim de tal forma, que o PS se empenha, e muito, em tentar apagar qualquer vestígio de ponderação, moderação, na sua gestão. Chapa ganha é chapa distribuída, diz o primeiro-ministro. É como se o PS não quisesse ser confrontado com os sinais da sua moderação, como se fosse mau, errado, aparecer ao centro. Como se tivesse vergonha de si próprio.
O que nos traz ao ponto atual, de o Governo ter vindo, pela primeira vez de forma audível, clara, e a propósito do descongelamento de carreiras, dizer que não dinheiro para fazer face ao "apagão" de carreiras, por mais injusto que este seja.
Não é uma primeira vez qualquer, porque o disse face a uma relevante classe profissional, idiossincrática, e porque o disse a propósito de algo que afeta muitas outras classes profissionais. É verdade que, depois disso, o Governo apareceu a tentar controlar os danos, chutando a solução para 2020, mais uma vez como se tivesse vergonha de ser ponderado. Mas foi tarde demais, porque a mensagem passou: não há dinheiro para tudo.
É uma vez sem exemplo ou o PS está confrontado com a inevitável impossibilidade de ser de centro e de extrema ao mesmo tempo?
Advogado
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