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Opinião
01 de Maio de 2017 às 21:03

Longevidade da Geringonça

No seguimento das eleições legislativas de 2015, fui convidado para debater no Expresso da Meia-Noite as então diligências do PS para encontrar uma alternativa de governo.

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Na altura, a análise estava centrada na possibilidade ou impossibilidade de se formar uma maioria de esquerda, discutindo-se a (im)probabilidade de comunistas e bloquistas se aliarem aos socialistas num elenco governativo, partilhando o fardo da governação, sujeitando-se à impopularidade que esta sempre gera. 


Dediquei-me a evidenciar aquilo que para mim se tornava evidente: o PS não se preparava para formar um governo maioritário de esquerda, uma maioria superior à maioria relativa de PSD e CDS, razão pela qual não valia a pena discutir sequer a possibilidade e a legitimidade dessa solução. O PS queria, isso sim, formar um governo minoritário, um governo mais minoritário do que a maioria vencedora das eleições.

Interessava-me, no fundo, distinguir as duas situações: uma coisa é formar-se uma maioria de governo, que ganha coerência e assim suplanta os vencedores das eleições, outra coisa é um perdedor juntar-se a perdedores com quem tem divergências profundas para escolher qual deles, sem maioria, deve governar; num caso temos um programa sólido, comum, perene, no outro temos uma maioria circunstancial que se esboroa na primeira decisão que evidencie as profundas divergências. Tinha em mente, então, as históricas, coerentes, sólidas, posições do PCP e do Bloco quanto à Europa, ao Euro, ao Tratado Orçamental, ao investimento público, à economia de mercado.

Nesse programa, no entanto, um outro convidado, Carlos Gaspar, disse algo muito mais relevante, e que então fixei: o PCP fará tudo, tudo mesmo, absolutamente tudo, para se manter no poder, razão pela qual não hesitaria em cooperar com o PS num arranjo governativo. Pareceu-me que ficámos todos, entrevistadores incluídos, surpreendidos. Eu, pelo menos, fiquei.

E percebe-se porquê: durante anos de coerente oposição, sempre contra tudo, sempre com o mesmo discurso, com uma superioridade ética, quando não moral, sobre os restantes, o PCP constituiu-se num baluarte de coerência. Errados em tudo, mas coerentes, dizia-se muitas vezes. E do alto dessa coerência era difícil imaginar uma adesão do PCP (e, num grau distinto, do Bloco) a um governo que aceitasse as regras europeias, que tivesse de fazer cortes, que tivesse de conviver com a economia de mercado, que tivesse de se afastar de quase todas as identitárias propostas da extrema-esquerda sobre défice, dívida, crescimento, credores…

E se Carlos Gaspar tivesse razão, pensei? E se PCP e Bloco estivessem dispostos a desistir de tudo para apoiar um governo socialista a troco da satisfação da sua agenda clientelar? E se estivessem dispostos a aceitar, em silêncio ou em tíbios amuos, o menor investimento público de sempre, a não renegociação da dívida, as medidas de austeridade em nome do euro, as cativações brutais nos serviços públicos em nome do défice, o aumento de salários de gestores públicos em nome da gestão pública, a lentidão no aumento do salário mínimo em nome da prudência? E se a extrema-esquerda estivesse na disposição de abdicar, por omissão, em silêncio, do essencial da sua agenda europeia e económica?

Foi, como sabemos, o que veio a ocorrer, o que ocorre já, mostrando o quanto sobrevalorizámos a coerência e firmeza de princípios dos partidos da extrema-esquerda.

Significa isto que o PS vergou estes partidos, nada perdendo? Nada disso. Como aqui escrevi há 15 dias, para manter este arranjo o PS abandonou a sua vocação reformista, o que é suficientemente mau para um país há décadas sem crescer convenientemente. 

Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico

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