Opinião
Longevidade da Geringonça
No seguimento das eleições legislativas de 2015, fui convidado para debater no Expresso da Meia-Noite as então diligências do PS para encontrar uma alternativa de governo.
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Na altura, a análise estava centrada na possibilidade ou impossibilidade de se formar uma maioria de esquerda, discutindo-se a (im)probabilidade de comunistas e bloquistas se aliarem aos socialistas num elenco governativo, partilhando o fardo da governação, sujeitando-se à impopularidade que esta sempre gera.
Dediquei-me a evidenciar aquilo que para mim se tornava evidente: o PS não se preparava para formar um governo maioritário de esquerda, uma maioria superior à maioria relativa de PSD e CDS, razão pela qual não valia a pena discutir sequer a possibilidade e a legitimidade dessa solução. O PS queria, isso sim, formar um governo minoritário, um governo mais minoritário do que a maioria vencedora das eleições.
Nesse programa, no entanto, um outro convidado, Carlos Gaspar, disse algo muito mais relevante, e que então fixei: o PCP fará tudo, tudo mesmo, absolutamente tudo, para se manter no poder, razão pela qual não hesitaria em cooperar com o PS num arranjo governativo. Pareceu-me que ficámos todos, entrevistadores incluídos, surpreendidos. Eu, pelo menos, fiquei.
E percebe-se porquê: durante anos de coerente oposição, sempre contra tudo, sempre com o mesmo discurso, com uma superioridade ética, quando não moral, sobre os restantes, o PCP constituiu-se num baluarte de coerência. Errados em tudo, mas coerentes, dizia-se muitas vezes. E do alto dessa coerência era difícil imaginar uma adesão do PCP (e, num grau distinto, do Bloco) a um governo que aceitasse as regras europeias, que tivesse de fazer cortes, que tivesse de conviver com a economia de mercado, que tivesse de se afastar de quase todas as identitárias propostas da extrema-esquerda sobre défice, dívida, crescimento, credores…
E se Carlos Gaspar tivesse razão, pensei? E se PCP e Bloco estivessem dispostos a desistir de tudo para apoiar um governo socialista a troco da satisfação da sua agenda clientelar? E se estivessem dispostos a aceitar, em silêncio ou em tíbios amuos, o menor investimento público de sempre, a não renegociação da dívida, as medidas de austeridade em nome do euro, as cativações brutais nos serviços públicos em nome do défice, o aumento de salários de gestores públicos em nome da gestão pública, a lentidão no aumento do salário mínimo em nome da prudência? E se a extrema-esquerda estivesse na disposição de abdicar, por omissão, em silêncio, do essencial da sua agenda europeia e económica?
Foi, como sabemos, o que veio a ocorrer, o que ocorre já, mostrando o quanto sobrevalorizámos a coerência e firmeza de princípios dos partidos da extrema-esquerda.
Significa isto que o PS vergou estes partidos, nada perdendo? Nada disso. Como aqui escrevi há 15 dias, para manter este arranjo o PS abandonou a sua vocação reformista, o que é suficientemente mau para um país há décadas sem crescer convenientemente.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
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