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25 de Junho de 2018 às 19:59

Como reconhecer um populista em ascensão? 

Como é hoje evidente, populistas manipuladores podem chegar à liderança de associações, clubes, governos. Trata-se de um cenário inquietante, este de termos populistas em cargos de poder. Daí que a pergunta ocupe muita gente: como reconhecer um populista?

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Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no seu "How Democracies Die", apresentam um teste de quatro passos para identificar populistas autoritários: rejeitam as instituições democráticas? Negam a legitimidade de opositores políticos? Toleram ou encorajam a violência? Estão dispostos a restringir as liberdades civis? Se a resposta for positiva a alguma destas perguntas, dizem os autores, então é bem possível que estejamos perante um populista autoritário. 

 

Sucede que a resposta a estas perguntas só pode ser dada, ou só é confirmada, quando os populistas ascenderem a posições de destaque ou de liderança e se propuserem ser autoritários. Elas dão alguma orientação, identificam traços de personalidade, uma predisposição para a centralização, para o exercício egotista do poder, mas são insuficientes para reconhecer um populista em ascensão. De alguma forma, estas perguntas chegam tarde demais, num momento em que o populista já conseguiu reunir uma legião fervorosa, menos capaz de perceber o logro em que se movimenta.

 

Steve Richards, em "The Rise of the Outsiders: How Mainstream Politics Lost Its Way", identifica a vocação de "outsider" dos populistas, a sistemática afirmação da sua condição legitimadora de indesejados por um sistema, uma casta, uma elite, uma classe. É nessa condição de "outsiders" que reside o seu magnetismo, a sua capacidade de manipulação.

 

No entanto, essa característica não deixa de ser insuficiente para reconhecer um populista. Essa estratégia de afirmação é muito comum em política, por mais detestável que possa ser. Há quem se afirme contra a cidade, contra a elite, contra o provincianismo, contra o aparelho, contra o Norte, contra o Sul, contra o sistema, contra os preguiçosos, enfim, não faltam opções.

 

Como reconhecer, então, um populista em ascensão? Talvez a pergunta não tenha resposta, porque a estratégia do populista passa essencialmente pela manipulação. E essa manipulação variará consoante o contexto e o momento.

 

Daí que nos deveríamos concentrar em perceber até que ponto estamos, cada um de nós, disponíveis para nos deixar manipular, algo mais útil do que tentar definir uma grelha de identificação de populistas.  

 

Talvez valha a pena recordar que a sinuosa arrogância dos que se sentem predestinados, dos que manipulam e mentem em seu proveito, dos que se servem das instituições para perpetuarem o seu ego, de nada serve se não houver milhares de pessoas ao engano, a acreditar na coisa e a dar tudo por ela, apoiando, entusiasmando.

Não há populistas sem apoiantes fervorosos, e é uma ilusão pensar que esses apoiantes são gente inepta, incapaz de ver o óbvio, sem inteligência suficiente. Esses apoiantes são gente comum, amigos nossos, pessoas que conhecemos. Não conhecemos tanta gente inteligente que se deixou iludir por populistas e manipuladores, do desporto à política?

 

No limite, podemos até ser nós próprios, por mais perspicazes que nos achemos, a dar espaço e apoio a populistas. Talvez fosse útil por isso ver até onde cada um de nós está disposto a ir por alguém que admiramos, por alguém em quem nos reconhecemos, por alguém que nos inspira.

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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