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13 de Março de 2017 às 20:30

"Milagre é Teodora Cardoso ainda ter salário e ocupar o lugar que ocupa"

Vivemos hoje as consequências de uma insuficientemente ponderada criação da moeda única. Não se trata de defender a saída do euro. Trata-se de constatar que a arquitetura da moeda única, e a forma como funcionalizou a restante política comunitária, não evitou, se é que não adensou, a crise por que passam alguns países europeus.

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Entre os motivos que contribuíram para esta circunstância está uma certa deslegitimação, subtil mas persistente, de todos os que, naqueles anos preparatórios, levantaram dúvidas, colocaram questões.

 

Ninguém os quis ouvir no meio da euforia. Eram os céticos, os saudosistas. Política e academicamente vistos com condescendência, quando não com gozo. Não percebiam a grandiosidade do euro, eram os que maçavam com números, minudências perante o Shangri-La.

 

A mais eficaz censura não é a que silencia, é a que convida à autocensura, a que mediatiza um clima que desaconselha uma opinião. Não se sabe de onde vem, não há uma fonte única, não há um ataque único, apenas um clima, uma persistência.

 

A mais eficaz censura em democracia é, pois, a que remete alguém para um certo ridículo social ou académico ou político ou cultural, e que, nessa construção, leva alguém a desistir de duvidar, a preferir o silêncio, a evitar os títulos de jornal e de crónicas, a ser acusado de inimigo do interesse nacional, de ser um rival e não apenas uma voz em debate.

 

Teríamos hoje um euro mais preparado se tivéssemos ouvido aqueles que colocaram dúvidas. Nem todos acertaram, mas teríamos ponderado melhor.

 

Se foi o que ocorreu com o euro, foi também isso que se passou com os firmes passos do governo socialista rumo ao resgate de 2011, por exemplo. Também aí, aqueles que duvidaram das opções e dos números daquele governo foram muitas vezes, em discurso direto ou indireto, tratados com desdém.

 

Foi o caso de Ferreira Leite, por alguns reabilitada quando isso se tornou útil. Ou de outros nomes na área socialista como António Barreto ou Daniel Bessa. Não significa que tudo o que disseram estivesse correto, mas sabemos o quanto poderia ter sido evitado se em vez de desdém o país tivesse ouvido essas e outras vozes com curiosidade intelectual, com abertura, com naturalidade: há quem discorde de nós porque discorda de nós, não porque nos quer atacar.

 

Quando se fala de futuro ninguém tem a certeza absoluta sobre quem está ou não certo, e é por isso que convém manter o debate aberto a todas as ideias, para que melhor nos preparemos, e isto é válido para os dois lados da barricada. E por debate aberto não me refiro a poder falar, mas a poder falar sem levar, apenas por se opinar de forma diferente, com uma pressão mediática destinada a deslegitimar a opinião, com gozo, desdém.

 

E é também por isso que são dispensáveis, até desprezíveis, as tentativas de condicionar, limitar, intimidar mediaticamente, personalidades com créditos firmados, conhecidas pelas suas capacidades, apenas porque nos contradizem, sugerem outros caminhos. Para além disso, quando recaem sobre dirigentes de instituições do Estado português, essas tentativas são perigosas.

 

Dispensáveis, porque isso não afasta a razão que estas tenham. Desprezíveis, porque a democracia pressupõe o efetivo respeito pela opinião contrária. Perigosas, porque a força dos países desenvolvidos é proporcional à força das suas instituições, à forma como estas se respeitam e existem e resistem apesar das diferenças. É por isso que os vários ataques ao Conselho Superior de Finanças Publicas não são bom sinal.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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