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No laboratório ibérico de Braga só a tecnologia é nano

O paraíso científico e fiscal erguido pela diplomacia luso-espanhola é um "chamariz" de cérebros e está a ser namorado por Brasil e Argélia.

24 de Novembro de 2014 às 20:49
Paulo Duarte
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O "gosto" pelo sul da Europa foi uma das razões para Sascha Sadewasser trocar Berlim por Braga. E embora faça investigação fotovoltaica, durante a maior parte do dia nem sequer vê a luz... do sol. O alemão, 44 anos, trabalha num dos laboratórios de alta precisão do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL na sigla inglesa), enterrados no piso -2, abaixo das garagens, protegido por grossas paredes de betão e isolamento de cobre. O "estado de arte" dos microscópios de sonda local e de transmissão e ultra alta resolução dominam a paisagem subterrânea.

 

"Gostei da ideia de construir algo do início, comprando máquinas com as características que preciso e desenvolvendo o meu próprio campo de investigação", recorda o líder da equipa multinacional – há gente da Roménia, Portugal, Marrocos, Brasil e Espanha – especialista em microscopia e células solares.


Decidido politicamente na cimeira ibérica de Évora (2005), construído por 46 milhões de euros no espaço do parque de diversões "Bracalândia" e habitado desde finais de 2010, o INL é uma autêntica fortaleza de 27 mil metros quadrados na vizinhança da Universidade do Minho e com vista privilegiada para o monte do Bom Jesus.

 

Além de ser um paraíso científico, à boleia de um gasto, em execução, de 44 milhões de euros para equipamentos, o estatuto de instituição internacional garante "uma série de privilégios", entre os quais a isenção de IRS. O vice-director, Paulo Freitas, calcula o salário médio em 40 mil euros anuais, "bastante atractivo, apesar de tudo", face à concorrência europeia e americana.

 

Sou uma excepção: sempre consegui em Portugal desenvolver o meu trabalho e encontrar as condições de que precisava. 
Ricardo Ferreira
Investigador do INL

Na génese, Sócrates e Zapatero prometeram investir 30 milhões de euros por ano e a meta era ter 400 investigadores em 2020. A crise nos dois lados da fronteira obrigou o INL a "refrear muito o crescimento". Freitas, 56 anos, antecipa que essa capacidade "talvez só daqui a oito anos" seja atingida.

 

O "turnover" (volume de negócios) anda à volta de seis milhões de euros, sendo 60% a 70% proveniente dos Estados-membro, e o restante privado. Percentagens que o catedrático do Instituto Superior Técnico, com formação em física aplicada, deseja ver invertidas quando estiver na capacidade máxima. 


Em vez das 200 pessoas que o organograma apontava para 2014, não chega às 120: uma centena na investigação, sendo mais de 40 "visitantes", que passam seis meses ou um ano em Braga. Entre físicos, biólogos, especialistas em materiais, farmácia, química ou engenharia electrotécnica, ali convivem 20 nacionalidades, do Bangladesh a Porto Rico. A seguir a Portugal e Espanha, o maior contingente é brasileiro.

 

Segundo o responsável, o Brasil é um dos interessados – "na calha" está também a Argélia, mas esse contacto é mais embrionário – em tornar-se membro associado do INL. "É o mais próximo de entrar. Estamos numa fase de testes, eles estão a financiar aqui dez projectos de investigação para verificar se está de acordo com as expectativas", avançou.

 

A porta de regresso

 

Ainda assim, o maior reforço nos últimos dois anos tem sido de portugueses e espanhóis, emigrados em países terceiros que aproveitam para voltar. "Somos um chamariz. A situação [nos países] não é brilhante e nós oferecemos empregos", aponta Freitas. É o caso de Marina Brito, 33 anos, natural de Paços de Ferreira, que estava na conceituada Université Pierre et Marie Curie, em Paris, e decidiu agarrar a vaga. Como atrair mais investigadores? "Tem de haver muito investimento não governamental. E procurá-lo fora de Portugal, principalmente", responde.

 

Formada em Bioquímica e doutorada em Neurociências, trabalha na área cardiovascular. Neste projecto, que espera concluir em quatro anos com "um produto concreto" no mercado, está à procura de marcadores de inflamação para detectar placas ateroscleróticas vulneráveis, que ajudem os médicos a decidir a terapêutica no caso do enfarte do miocárdio.

 

Estas são condições inigualáveis em Portugal. E mesmo comparando com
os equipamentos que tive [no estrangeiro], isto é excelente. 
Marina Brito
Investigadora do INL

No andar de cima, Ricardo Ferreira desculpa-se pelo laboratório de caracterização eléctrica e radiofrequência estar "um bocadinho mais desarrumado do que o costume". Após o exagero de anfitrião, o investigador da Guarda pega na bolacha de silício fabricada na "sala limpa" – o nome não é exagerado; as senhoras da limpeza receberam formação especial para ali entrar – e explica que esses sensores magnéticos poderão acabar em máquinas industriais, por exemplo para detectar movimento rotacionais de peças.

 

O próprio Ricardo é um caso raro de cientista que nunca saiu de Portugal, a não ser por curtos períodos. "Sempre consegui em Portugal desenvolver o meu trabalho e encontrar as condições de que precisava. Aí não me queixo".


Entre os projectos já mais chegados ao mercado, o vice-director destaca um na área da imagiologia, para, por exemplo, aumentar o contraste numa ressonância magnética; ou na área alimentar, em que a nanotecnologia ajudará a monitorizar o aparecimento de toxinas na água.

 

Prejudicial para humanos através do consumo ou banho, Begoña Espiña, 35 anos, destaca também a "grande repercussão industrial", na pesca ou aquacultura, pois os moluscos e bivalves acumulam muitas dessas toxinas. E não esconde o orgulho de trabalhar num "instituto que dá muitas oportunidades", instalado numa "região tão bonita" e próxima da Galiza natal.

 

Estamos a trabalhar na monitorização da aparição de toxinas na água. Isto pode ter grande repercussão industrial, nas pescas e na aquacultura. 
Begoña Espiña
Investigadora do INL

 

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