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Bill Gross: o ‘rei das obrigações’ que se inspira no ioga e começou a ganhar dinheiro no casino
Conhecido como "o rei das obrigações", co-fundou a Pimco, o maior fundo obrigacionista mundial, de onde saiu 43 anos depois para a Janus. Possui dois Teslas e tem uma grande confiança em si mesmo e nas suas capacidades, a ponto de ter sido alcunhado de "presidente do ego". Adora ioga, é um fervoroso colecionador de selos e formou-se em Psicologia, deixando para trás a aspiração de ser uma estrela rock. Tem uma queda por gravatas da Hermès, mas prefere usá-las enroladas à volta do pescoço, como se fossem lenços. Teve uma gata chamada Bob e quando ela morreu dedicou-lhe uma das suas notas de investimento. Não usa telemóvel porque acha que as principais coisas da vida devem ser beber vinho e ter filhos. Falamos de Bill Gross, que anunciou esta semana que irá reformar-se da Janus.
William Hunt Gross, conhecido como Bill Gross, nasceu a 13 de abril de 1944, no estado norte-americano do Ohio. Tem um estilo descontraído, é um investidor e reconhecido gestor de fundos obrigacionistas e também um filantropo de relevo. Mas diplomacia não é com ele. Excêntrico poderia ser o seu nome do meio e tem tanto de objetivo e emocional como de "bad boy" – basta recordar um evento à porta fechada onde surgiu com óculos de sol ou o peixe podre que deixou na casa da sua futura ex-mulher de modo a baixar o preço do imóvel. É também o homem que chorou pela sua gata e que lhe dedicou uma nota de investimento. Desconcertante, a sua vida é um autêntico manancial de histórias. Nem todas são boas, mas certamente não deixam ninguém a bocejar.
Oriundo de uma família com parte das suas raízes no Canadá, é filho de Shirley e Sewell Gross, e tem mais dois irmãos, Craig e Lin. Teve uma infância tranquila, com uma mãe que optou por ficar em casa a cuidar dos três filhos. Já o pai era executivo de vendas na AK Steel Holding e foi essa posição que o fez sair da sua terra natal ainda em criança. Tinha 10 anos quando se mudaram os cinco para São Francisco e ficou maravilhado com a dimensão da cidade, que lhe pareceu "um outro universo", conta a Value Walk.
Em 1962 obteve uma bolsa da Duke University, em Durham (Carolina do Norte). Diz que foi para a faculdade sem ter ideia que curso escolher e optou por Psicologia porque lhe interessava a forma como a mente funciona. Lá, foi membro da sociedade de honra de Phi Kappa Phi, a fraternidade mais antiga do país.
Já esquecido do sonho de ser uma estrela de rock, foi na faculdade que aspirou a ser jogador na equipa de basquetebol Duke Blue Devils, mas rapidamente percebeu que teria de se contentar em jogar na equipa universitária.
Andrew Ashe, que também foi membro da Phi Kappa Phi, contou ao Value Walk (VW) que Gross estava sempre a inventar esquemas para ganhar dinheiro.
Ganhar em Las Vegas
Foi no último ano da faculdade que teve um acidente de carro que quase lhe tirou a vida. Enquanto recuperava, leu um livro que havia de se tornar uma das "bíblias" dos investidores: "Beat the Dealer", de Edward Thorp, então professor de Matemática. O livro detalhava a forma de se ganhar a jogar "blackjack", através de um sistema de contagem de cartas. Assim que se restabeleceu e terminou o curso, em 1966, já tinha um objetivo em mente.
Meteu-se no comboio e rumou a Las Vegas com 200 dólares no bolso. Instalou-se num hotel onde o preço do quarto era de 6 dólares ao dia, e ao fim de quatro meses a contar cartas durante 16 horas por dia – o que o levou a ser expulso de vários casinos – tinha transformado esses 200 dólares em 10.000, dinheiro que usou para mais tarde pagar as suas propinas na Faculdade de Gestão de Los Angeles (Califórnia), relata a Business Insider.
De 1966 a 1969 cumpriu o serviço militar e quis ser piloto de caças, mas depressa perdeu a ideia de vista ao perceber que não estava talhado para aquilo. Passou pela guerra do Vietname, o que lhe valeu sair da marinha (em 1970) com a medalha de serviço ativo ao peito.
Seguiu caminho e um ano depois obteve um MBA em Gestão na UCLA Anderson School of Management. Findo o master, enviou o seu CV a mais de 100 empresas ligadas à área do investimento. Mas nada. O mercado acionista vivia, naquela altura, tempos difíceis. Acabou por ser a sua mãe a dar conta de um anúncio no jornal Sunday Los Angeles Times, onde a seguradora Pacific Mutual Life Insurance procurava analistas do mercado acionista e oferecia um salário anual de 11.000 dólares.
Gross conseguiu o emprego, mas não se sentiu realizado. Isto porque em vez de analisar ações ficou encarregue do reembolso de juros dos certificados do Tesouro, no departamento das obrigações. Mas foi aí que conheceu James Muzzy e William Podlichem, tendo os três fundado, ainda em 1971, a Pacific Investment Management Company (Pimco), o maior fundo de obrigações do mundo.
Entre 1971 e 2014 foi diretor de investimento e diretor executivo da PIMCO, onde geriu o fundo Total Return – tendo também sido analista financeiro, entre 1971 e 1976, da Pacific Mutual Life.
Conta que usou a sua experiência em Las Vegas como "profissional do blackjack" para desenvolver ainda mais a sua capacidade de analisar prémios de risco e calcular as probabilidades nos investimentos. E durante muito tempo resultou.
A inspiração do ioga
A sua rotina tem sido sempre a mesma ao longo dos mais de 40 anos de percurso profissional. Levanta-se às quatro e meia da manhã e uma hora mais tarde já está no escritório, antes de os mercados abrirem na Costa Leste dos EUA. Às oito e trinta em ponto sai do edifício, atravessa a rua e entra no hotel Mariott para fazer ioga.
O ioga é, de facto, uma das suas paixões. Foi durante uma sessão de ioga, há alguns anos, que Gross teve a ideia de enviar analistas para várias zonas do país, fazendo-os apresentarem-se como compradores de casas. Regressaram à base com conhecimentos práticos que confirmaram o palpite de Gross de que o período de expansão do mercado imobiliário já tinha passado. Foi assim que a Pimco decidiu evitar o pantanoso terreno das hipotecas "subprime". Ao fazermos ioga, "obtemos endorfinas, obtemos espaço livre, e de repente começam a surgir-nos pequenas ideias muito simples, explicou ao The Globe and Mail.
Foi também a este jornal canadiano que contou um episódio caricato, a propósito de não usar telemóvel. Corria o ano de 2009 quando, num domingo à noite, o telemóvel da esposa Sue tocou. "É para ti, querido – alguém chamado Tim Geithner", disse-lhe enquanto lhe passava o telefone.
É isso mesmo. Um lendário investidor mundial que não tem telemóvel. Por isso, quando o então secretário norte-americano do Tesouro precisou de falar com ele, a chamada foi direcionada para a esposa. "Conversámos durante meia hora sobre o que fazer com a economia dos EUA", relatou com um sorriso endiabrado.
Gross explica por que razão não tem nem quer ter telemóvel: "beber vinho e ter filhos devem ser os grandes pontos altos da vida, e não vídeos no telemóvel e conversas no Snapchat".
Foi casado duas vezes. Primeiro com Pamela Roberts, com quem teve dois filhos (Jeff e Jennifer), e depois com Sue J. Frank, com quem teve o filho Nick. O início do divórcio litigioso com Sue em 2016, depois de 31 anos de vida em comum, foi muito badalado pelos seus contornos dignos de um filme. Gross acusou Sue de lhe roubar um Picasso e ela acusou-o de ter deixado a casa de ambos, em Malibu, em estado de sítio: latas vazias com mau cheiro, peixe morto enfiado nos sistemas de ventilação e muitas coisas partidas.
Mas este seu lado B não parece ser o que impera. É há muitos anos um reconhecido filantropo, nomeadamente com elevadas doações aos Médicos Sem Fronteiras. E amou uma gata a ponto de lhe dedicar uma das suas notas de investimento.
A primeira metade da sua nota de análise de abril de 2014 (estas famosas perspetivas de investimento eram sempre tidas em grande conta e amplamente lidas) foi, essencialmente, uma ode à sua gata recentemente falecida, que se chamava Bob. O título do relatório era simplesmente "Bob" e podiam ler-se frases como "além de dormir, o que Bob mais adorava era seguir-me de assoalhada em assoalhada, certificando-se de que eu estava bem. Por vezes, era um bocado excessivo, especialmente quando entrava e saía do duche". Dizia que a sua gata não se importava de ter um nome masculino e que adorava ficar a olhar para a televisão quando Gross aparecia a falar na CNBC.
"Muitas vezes, eu pedia-lhe recomendações sobre ações de empresas ligadas ao fabrico de comida para animais de estimação, e ela respondia-me com frequência – um miau para ‘não’ e dois miaus para ‘podes apostar nessa’. Em relação às taxas de juro, ela já não tinha tantas certezas, mas não fazia mal perguntar". Esta dissertação deixou muitos investidores espantados. Mas não se ficou por aqui e entrou num território muito emocional:
"Há um trágico fim em todas as coisas vivas: elas deixam de viver. A nossa gata de raça Maine Coon, com 14 anos, deixou de viver na semana passada. O seu nome era Bob e foi um dos animais mais doces que alguém poderia ter tido. Penso que não se importava por ter nome de rapaz, pelo menos nunca mencionou isso. (…) Estimem os vossos animais de estimação e todas as coisas vivas. Porque acabam todos por deixar de viver", salientava aquela nota de investimento.
Além de gostar de ler e de jogar golfe, é também colecionador de selos. Em novembro de 2005 tornou-se a terceira pessoa (depois de Robert Zoellner na década de 1990 e de Benjamin K. Miller antes de 1925) a ter a coleção completa de todos os selos do século XIX emitidos pelos correios. Foi a sua valiosa coleção e as doações que lhe valeram um reconhecimento no Museu Postal Nacional no Smithsonian, onde um dos espaços se chama William H. Gross Stamp Gallery.
Tem uma queda por gravatas da Hermès, mas prefere usá-las enroladas à volta do pescoço, como se fossem lenços, pois gosta de trabalhar com o colarinho da camisa desapertado. É também um fã dos veículos elétricos criados por Elon Musk e na sua coleção de carros conta com dois Teslas.
O rei das obrigações
Diz a Investopedia que Bill Gross é conhecido pela sua predisposição para alterar rumos em resposta a alterações nos mercados. Em 2005, a jornalista Nicole Bullock do SmartMoney.com dizia mesmo que "Gross não se ajusta às condições de mercado – ele muda-as!".
Defende, convictamente, que não pode haver lugar para as emoções quando se investe. Isto porque acredita que "as emoções conseguem convencer qualquer investidor ou gestora de ativos a fazerem precisamente as escolhas erradas durante períodos irracionais do mercado".
Foi a sua gestão na Pimco que lhe valeu a alcunha de "rei das obrigações". Tornou o Pimco Total Return o maior fundo de investimento do mundo, que chegou a ter sob gestão 293 mil milhões de dólares em 2013.
2014 foi um ano horribilis para a Pimco. Em finais de Janeiro o egípcio Mohamed El-Erian, então CEO da Pimco, anunciou que iria sair da gestora de obrigações. Uns dizem que foi em desacordo com a estratégia de Bill Gross, outros dizem que foi Gross que conseguiu o seu afastamento, mas o próprio justificou o facto com a necessidade de poder acompanhar com maior proximidade a vida da sua filha de 10 anos.
A partir daí, houve quem não perdoasse a Gross. O rei das obrigações decidiu anunciar a saída a 26 de Setembro desse ano e três dias depois já estava na Janus Capital. Conta-se que Gross sabia que iria ser afastado e decidiu, em vésperas do fim-de-semana, ser ele a anunciar a sua saída.
Na nova empresa, Gross foi gerir o Janus Unconstrained Bond Fund, com 12,86 milhões sob gestão, um valor muito mais modesto do que no Pimco Total Return.
O gestor, que afirmara recentemente ser um Justin Bieber com 70 anos (altura em que surgiu de óculos escuros num evento à porta fechada), levou consigo muitos milhares de milhões de dólares dos seus seguidores. E para atrair ainda mais clientes investiu mais de 700 milhões de dólares do seu próprio dinheiro no fundo que geria na Janus. "Ele acredita em comer os seus próprios cozinhados", comentou à Reuters, a este propósito, o CEO da Janus Capital, Dick Weil.
Mas as coisas não correram bem. Os investidores tiraram dinheiro durante meses consecutivos do fundo Janus Henderson Global Unconstrained, em parte devido à aposta falhada de que as taxas de juro das obrigações dos EUA e alemãs iriam convergir. O fundo de Bill Gross acabou por registar uma perda de 4% no ano passado, registando um desempenho inferior a 80% dos seus pares.
Começava-se a falar em ascensão e queda quando se ouvia o nome do rei das obrigações. E antes que o cenário piorasse, foi Gross, uma vez mais, que decidiu qual era o seu último capítulo ao pôr um ponto final no seu percurso na Janus. O fundo que geria passará agora a chamar-se Absolute Return Income Opportunities.
"Fiz uma viagem maravilhosa durante os mais de 40 anos da minha carreira – tentando sempre colocar em primeiro lugar os interesses dos clientes, enquanto inventava e reinventava uma forma ativa de gerir as obrigações", declarou na segunda-feira, 4 de janeiro, quando anunciou a sua saída.
Com 74 anos, diz que se retira da Janus para passar mais tempo com a família. Mas não vai parar. Continuará a supervisionar os 390 milhões de dólares detidos pela fundação que criou em seu nome e dos filhos.
Além de gerir a sua fortuna pessoal, Gross já disse ter planos para trabalhar com os filhos no sentido de procurar causas para apoiar, causas que valham a pena e que estejam a "criar vidas melhores a nível local e em todo o mundo".