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Petróleo nos 150 dólares? É possível, mas não para já

No cenário adverso projetado pelo Banco Mundial, com o alastrar do conflito no Médio Oriente, os preços do crude poderiam disparar e marcar um novo máximo histórico. Mas os analistas não creem, no curto prazo, que essa probabilidade se materialize.

Na fase inicial do conflito Israel-Hamas, as cotações do crude reagiram em alta. Mas depois estabilizaram e até acabaram por cair. Ainda assim, o perigo mantém-se.
Na fase inicial do conflito Israel-Hamas, as cotações do crude reagiram em alta. Mas depois estabilizaram e até acabaram por cair. Ainda assim, o perigo mantém-se. Fabian Bimmer/Reuters
15 de Novembro de 2023 às 07:20
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O mais recente conflito entre Israel e o grupo Hamas, que teve início a 7 de outubro, deixou os mercados em alerta, mas o impacto na energia tem sido, até agora, limitado. Aliás, os preços estão até mais baixos. Se o panorama mudar, o petróleo poderá, contudo, disparar e todas as restantes matérias-primas sofrerão por arrasto. E esse risco é real: se a guerra se alastrar a outras regiões do Médio Oriente, que é responsável por um terço da oferta mundial de crude, o Banco Mundial aponta para que o “ouro negro” possa, no cenário mais adverso, ser catapultado para o patamar dos 150 dólares por barril.

No seu último relatório trimestral, publicado a 31 de outubro, o Banco Mundial diz que, se o crude disparar para a casa dos 150 dólares, dar-se-á um “choque duplo” nos mercados globais de matérias-primas. E isso intensificaria a insegurança alimentar e desencadearia uma nova subida dos preços.

Embora a economia mundial esteja em melhor posição do que na década de 1970 – que assistiu a dois choques petrolíferos, em 1973 e em 1979 – para lidar com um grande choque nos preços do crude, uma escalada do conflito no Médio Oriente, a juntar-se às perturbações já provocadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro do ano passado, poderia atirar os mercados das “commodities” para território desconhecido, aponta o Banco Mundial.

O relatório apresenta uma avaliação preliminar das potenciais implicações, no curto prazo, deste conflito nos mercados das matérias-primas. E parte, para isso, de um cenário de base com os preços do petróleo nos 90 dólares por barril no atual trimestre, para depois descerem para 81 dólares em 2024, à medida que o crescimento económico global desacelera – o que afeta a procura. Isto, claro, sem quaisquer perturbações geopolíticas face ao momento atual.

No acumulado de 2024, ainda no mesmo cenário de base, o Banco Mundial estima que os preços das “commodities” em geral desçam 4,1% no próximo ano, com as cotações das matérias-primas agrícolas a poderem cair com o excedente de oferta. Já os preços dos metais industriais deverão recuar 5%. Para 2025 é esperada uma estabilização dos preços das matérias-primas. No entanto, tudo pode mudar se houver uma perturbação da oferta de petróleo – e o sentido dos preços dependerá da dimensão dessa mesma disrupção, aponta a instituição financeira internacional.

No entanto, atendendo a que o conflito se tem mantido circunscrito, os analistas contactados pelo Negócios não antecipam que os preços do petróleo possam chegar a níveis tão altos como os 150 dólares por barril.

“A previsão do Banco Mundial de 150 dólares é motivada por uma significativa perturbação na oferta de crude, que arrasaria a capacidade disponível e exigiria uma menor procura para se evitar que o mercado petrolífero ficasse com um grande défice. No entanto, não creio que isso possa ser possível no curto prazo. Acho que a probabilidade é baixa”, diz Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas do UBS.

Para Ricardo Evangelista, diretor-executivo da ActivTrades Europe, também não parece verosímil que o crude atinja níveis tão altos em breve. “Os preços do petróleo têm estado em queda e já perderam cerca de 12% relativamente ao valor atingido a 20 de outubro, que representou o pico da apreensão dos mercados face à possibilidade de escalada do conflito e potencial impacto sobre o fornecimento de petróleo nos mercados globais”, destaca. “Desde então, essas preocupações têm-se desvanecido”.

Neste momento, aponta Ricardo Evangelista, o foco dos investidores está na procura, mais do que na oferta. “A China, a maior importadora global de petróleo, está com níveis de atividade económica inferiores aos esperados, o que tem levado a que se antecipe uma menor procura de petróleo nos mercados globais. Ao mesmo tempo, as reservas dos EUA têm crescido mais do que o esperado.”

Desta forma, acrescenta o responsável da ActivTrades Europe, “com perspetivas de menor procura a dominarem o sentimento dos investidores, ao mesmo tempo que as preocupações de uma escalada do conflito em Gaza se desvanecem, parece pouco provável que o preço do petróleo atinja os 150 dólares por barril nos próximos tempos.”

Vítor Madeira, analista de mercados financeiros da XTB, tem a mesma opinião. “Neste momento, o mercado já descontou o efeito do conflito no Médio Oriente. As fortes quedas assistidas no preço por barril são o reflexo disso. Também não devemos esquecer que é provável um abrandamento económico a nível mundial, que também está a ser descontado no preço”, aponta. “Contudo, caso o conflito se intensifique e se verifique uma envolvência direta do Irão, isto poderá levar a uma nova escalada dos preços”, ressalva.

“Em relação ao preço por barril, nesta altura parece muito improvável que alcance os 150 dólares, dada a tendência de curto/médio prazo e a força do preço [análise técnica] – que indicam que há ainda espaço para mais quedas. No entanto, também não devemos descartar eventuais cortes adicionais na produção por parte da Arábia Saudita e da Rússia, que podem provocar novos aumentos de preços”, sublinha Vítor Madeira, referindo-se à redução adicional e voluntária da oferta destes dois grandes produtores face ao que está estipulado na Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (o chamado grupo OPEP+).

Da Líbia ao embargo árabe: os três cenários Apesar de, pelo menos por enquanto, o “ouro negro” estar a dar mostras de não estar a ser inflacionado de forma expressiva pelo conflito entre Israel e o Hamas, o panorama para os preços das “commodities” poderá ensombrar-se rapidamente se a guerra escalar. O mais recente relatório do Banco Mundial destaca o que poderá acontecer, em três cenários (do menos gravoso para o mais adverso), com base na experiência histórica desde a década de 1970.

Os efeitos dependem do grau de perturbação da oferta de crude. Num cenário de “baixa disrupção”, a oferta mundial diminuiria entre 500 mil e dois milhões de barris por dia – quase o equivalente à redução observada durante a guerra civil na Líbia em 2011. Neste cenário, os preços do crude aumentariam entre 3% e 13% face à média do atual trimestre, para um intervalo entre 93 e 102 dólares por barril.

Num cenário de “média disrupção” – quase o equivalente à guerra no Iraque em 2003 – a oferta mundial de petróleo seria cortada entre três e cinco milhões de barris por dia. Isso poderia fazer subir os preços entre 21% e 35% inicialmente, para 109 a 121 dólares por barril.
Já num cenário de “forte disrupção” – comparável ao embargo petrolífero árabe em 1973 – a oferta mundial encolheria entre seis e oito milhões de barris diários, podendo catapultar as cotações entre 56% e 75% numa fase inicial, para um patamar entre os 140 e os 157 dólares por barril.

A concretizar-se o cenário mais adverso definido pelo Banco Mundial, os preços do “ouro negro” poderiam então atingir novos máximos históricos – os atuais recordes foram atingidos a 11 de julho de 2008, quando o Brent (crude de referência para as importações europeias) se fixou nos 147,50 dólares e o West Texas Intermediate (“benchmark” dos EUA) nos 147,25 dólares.

 

 

Não creio que [a previsão de 150 dólares por barril] possa ser possível no curto prazo. Giovanni Staunovo
Analista de matérias-primas do UBS

 

 

Os preços têm estado em queda e já perderam cerca de 12% relativamente a 20 de outubro. Ricardo Evangelista
Diretor-executivo da ActivTrades Europe

 

 

Não devemos descartar eventuais cortes adicionais na produção da Arábia Saudita e da Rússia. Vítor Madeira
Analista de mercados financeiros da XTB

 

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