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Mercadorias dão baile contango aos investidores

As rendibilidades alcançadas pelos máximos dos activos energéticos, dos metais e dos produtos agrícolas são inalcançáveis pelos investidores. Se usarem contratos de futuros tropeçam numa armadilha. Se optarem pela armazenagem das mercadorias em cofres são empobrecidos pelos custos de custódia

06 de Outubro de 2010 às 09:54
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Os investidores que escolheram o United States Oil Fund, um fundo cotado que pretende acompanhar a evolução do petróleo, para ganhar com a escalada dos custos energéticos devem estar a torcer o nariz. Embora o crude tenha subido de menos de 69 dólares por barril em meados de Setembro de 2009 para mais de 75 dólares quando o Outono entrou em 2010, quem investiu nesse produto registou uma desvalorização de 35,13 dólares para 32,67 dólares.

Isso quer dizer que perderam 7% ao longo do último ano em vez de ganharem 9%, como seria de esperar se o fundo realmente acompanhasse o preço do barril de crude.

Há muito tempo que os fundos de mercadorias são deficitários face aos activos que querem acompanhar. Apesar de o preço do barril de crude estar praticamente ao mesmo valor de Abril de 2006, quando o United States Oil Fund foi lançado, o fundo caiu 55% desde então. Este produto não está sozinho. O PowerShares DB Agriculture, cujo objectivo é acompanhar a toada dos bens agrícolas, valorizou 12,99% desde Janeiro de 2007, embora sejam publicadas notícias frequentemente sobre os novos máximos de produtos no seu cabaz, como o açúcar (122,72% desde Janeiro de 2007), o cacau (72,99%), o café (50,81%) e o milho (35,57 %). O United States Gas Fund, que quer acompanhar a evolução do preço do gás natural, desvalorizou 86,94% desde que foi lançado em Abril de 2007, enquanto o gás caiu 45,96% nos Estados Unidos da América.

O United States Oil Fund, o PowerShares DB Agriculture e o United States Gas Fund são fundos cotados (também conhecido por "exchange-traded funds" ou ETF) que, como são negociados ao longo do dia na bolsa de Nova Iorque, estão à mercê das ofertas de compra e venda. Contudo, isso não justifica o subdesempenho. Os fundos mais tradicionais também não conseguem acompanhar o movimento das mercadorias que perseguem. O Parvest World Agriculture, que é comercializado pelo ActivoBank, Banco Best e Banco Big, perdeu 25,94% valor desde o início de Abril de 2008, quando os seus índices agrícolas de referência caíram 8,13%, segundo a Bloomberg. O Parvest World Agriculture foi o fundo de mercadorias comercializado em Portugal que mais rendeu no último ano, embora tenha ficado longe do desempenho médio dos activos agrícolas.

Cair na armadilha
Os gestores da maioria dos fundos de mercadorias não compram barris de petróleo nem searas de trigo. A exposição ao mercado é efectuado através de contratos de futuros: operações em que uma parte combina vender algo a um preço definido a um comprador numa data futura. Esses contratos são transaccionados na bolsa como se fossem títulos. Por exemplo, no dia 23 de Setembro era possível comprar e vender em Nova Iorque barris de crude para entrega em Novembro a cerca de 75 dólares.

O problema dos fundos de futuros de mercadorias é que não querem receber os barris de petróleo, os alqueires de cereais nem as onças de ouro. Por isso, algumas semanas antes do início da entregas, os gestores trocam contratos para o mês mais próximo por contratos para o mês seguinte. É então que caem na armadilha do contango.

Uma mercadoria está em contango "quando o preço do respectivo futuro é superior ao correspondente preço do mercado à vista ('spot') e os preços dos futuros com vencimentos mais longos são superiores aos de vencimentos mais próximos", explica João Cantiga Esteves, que é responsável por disciplinas sobre produtos derivados, como os futuros, no Instituto Superior de Economia e Gestão. Ao trocarem um contrato mais próximo por um mais longe (ao que se chama "roll-over"), os investidores de um mercadoria em contango estão a vender a preço baixo uma coisa que vão comprar logo a seguir a um preço mais alto - só muda a data do contrato.

"O contango implica claramente um custo para os investidores que efectuam consecutivamente o 'roll-over' dos seus contratos de futuros", avisa Ricardo Valente, professor de várias cadeiras da área de Finanças na Faculdade de Economia do Porto. Esse custo pode muitas vezes ser medido em milhões de euros.

Segundo os documentos oficiais, o United States Oil Fund tinha de vender os contratos de crude para entrega em Outubro entre os dias 7 e 10 de Setembro. O preço médio nesses dias foi de cerca de 74,865 dólares. Com a receita, o fundo tinha de comprar contratos para entrega em Novembro. Porém, nos mesmos dias, o preço médio dos contratos de Novembro foi de cerca de 76,345 dólares. Tendo em conta que o United States Oil Fund tem cerca de 24 mil contratos de 1.000 barris, a troca representou uma perda de mais de 36 milhões de dólares, ou seja, mais de 28 milhões de euros. Segundo as contas do Negócios, o United States Oil Fund perdeu, em média, 1,94% por mês desde o início do ano nas trocas de contratos. Para onde foi esse dinheiro?

Arbitragistas atentos
Alguns operadores de futuros mais experientes aproveitam-se dos negócios previsíveis dos fundos. A informação sobre as datas de troca de contratos pelos gestores dos fundos é pública e conhecida. É normal acontecerem em uníssono entre os vários fundos, porque muitas vezes eles replicam o mesmo índice que define exactamente as datas de "roll-over". Como os operadores de futuros não têm datas fixas para negociar, podem adquirir os contratos que os gestores dos fundos vão ter de comprar alguns dias antes deles. "Estes fundos de índice são comidos por pessoas como eu", afirmou Emil van Essen, fundador da VanKar Trading, à revista "Bloomberg BusinessWeek" em Julho. Van Essen desenvolveu programas de computador que lucram com operações que antecipam as operações dos grandes fundos de derivados de mercadorias. A "Bloomberg BusinessWeek" conclui que são os bancos de Wall Street que estão a ficar com a maior fatia da riqueza perdida dos investidores de fundos de mercadorias. "Tal como fizeram no 'subprime', os bancos de Wall Street estão a transferir riqueza dos seus clientes para as suas mesas de negociação."

O negócio dos fundos de mercadorias é gigantesco. Só o United States Oil Fund vale 1,4 mil milhões de euros. No início do ano, os ETF de mercadorias tinham quase 200 mil milhões de euros dos investidores de todo o mundo, segundo o banco de investimento Barclays Capital.

Poucas alternativas
O custo mensal implícito na troca de contratos pelos fundos de derivados de mercadorias impede que estes produtos sejam ideais para quem quer investir a pensar no longo prazo. No entanto, "é difícil evitar o efeito contango, porque é o mercado de futuros que permite ganhar a exposição" às mercadorias, explica Carlos Almeida, director-adjunto da Direcção de Investimentos do Banco Best. Ricardo Valente acrescenta que os fundos são uma melhor opção do que a aquisição da mercadoria física. "A aquisição da mercadoria física é difícil e dispendiosa", explica.

Algumas alternativas começam a surgir no panorama das bolsas. "Começam a aparecer ETF que tentam minimizar o efeito contango", avança Carlos Almeida, do Banco Best, que exemplifica com o fundo United States 12 Month Oil Fund. Este produto funciona exactamente como o United States Oil Fund só que, em vez de apenas ter contratos para o mês seguinte, dispersa os activos através de contratos sobre o crude para os 12 meses mais próximos. "Assim, o efeito contango é mitigado", explica Carlos Almeida. O resultado é evidente: em vez de ter perdido 7% no último ano como o United States Oil Fund, ganhou 1,58%. Mesmo assim ficou aquém da evolução do crude. Em Novembro de 2009 foi também lançado o United States 12 Month Natural Gas Fund, que usa uma dúzia de contratos de futuros sobre o gás natural com maturidades diferentes.

Face aos custos decorrentes do contango, alguns gestores optaram por criar fundos que investem directamente nas mercadorias em vez de nos futuros. É o caso do SPDR Gold Trust, fundo cotado que controla 1.300 toneladas de ouro nos cofres do banco HSBC em Londres avaliadas em mais de 40 mil milhões de euros.

Contudo, a armazenagem das mercadorias tem custos que se notam na rendibilidade dos fundos. Desde que foi lançado, em Novembro de 2004, o SPDR Gold Trust rendeu 19,46% por ano, quando o ouro valorizou 19,96%. Embora seja uma solução mais económica, os fundos que armazenam os activos em vez de comprar os futuros estão limitados às mercadorias não perecíveis e que não necessitem de muito espaço: ouro, prata, platina e paládio. Dificilmente surgirá um fundo que guarde nos seus cofres barris de petróleo ou sacas de milho.








Como perder um milhão pelo caminho

Os gestores doUnited States Oil Fund têmde trocar os contratos durante quatro sessões de bolsa duas semanas antes dos contratos expirarem.





















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