Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

"Short sellers" enfrentam fim de uma era com os rookies a darem cartas em Wall Street

São poucos os que na Main Street e na América Corportativa, que veem os short sellers como figuras detestáveis com práticas duvidosas, estão agora a derramar lágrimas com o que está a acontecer. O mesmo não se pode dizer dos que veem o short selling como um importante polícia dos mercados.

31 de Janeiro de 2021 às 12:00
  • ...

O último assalto contra os "short sellers" de Wall Street tem uma longa tradição, que remonta até, pelo menos, Napoleão. Os que apostaram contra os títulos do governo francês foram apelidados de "traiçoeiros" pelo antigo imperador.

Sobreviveram a isso e muitos outros ataques ao longo dos séculos seguintes. Mas a revolta com a GameStop pode marcar o fim de uma era para os "short sellers" – os há muito tempo vilipendiados que tentam mudar o curso das empresas mal geridas ao apostarem que as ações vão desvalorizar.

A maior vítima surgiu na sexta-feira, quando o Citron Research, de Andrew Left, anunciou que iria descontinuar a análise de short selling ao fim de 20 anos a providenciar este serviço. Outros estão já a adotar estratégias menos agressivas de vendas a descoberto. 

Andrew Left admitiu que a Citron perdeu o foco
Andrew Left admitiu que a Citron perdeu o foco Bloomberg

A Melvin Capital viu-se forçada a recuar, fechando a posição curta que tinha na GameStop, Carson Block e outros reduziram a exposição, e alguns dos hedge funds mais poderosos estão a registar perdas de dois dígitos e a explorar que passos vão agora dar.

São poucos os que na Main Street e na América Corportativa, que veem os short sellers como figuras detestáveis com práticas duvidosas, estão agora a derramar lágrimas com o que está a acontecer. O mesmo não se pode dizer dos que veem o short selling como um importante polícia dos mercados.
 

Os short sellers, que praticam a arriscada arte de vender ações emprestadas para as comprar posteriormente a preços mais baixos, têm sido vistos como um antídoto crítico na deteção de empresas fraudulentas, com práticas contabilísticas e planos de negócio duvidosos, ou apenas na manutenção das avaliações das ações em níveis adequados. A Enron é o exemplo mais notável da utilidade do short selling.

"Ainda estou no negócio, mas por hoje acho que já é o suficiente", diz Fahmi Quadir, uma short seller conhecida pelo sucesso na aposta contra a Valeant Pharmaceuticals e fundadora do hedge fund Safkhet Capital.

O maior problema, diz esta investidora, é que cada vez menos firmas estão a gastar o dinheiro suficiente em research às empresas ou, no seu caso, a "identificar as que têm esquemas fraudulentos".

Fahmi Quadir ganhou fama depois de apostar contra a Valeant Pharmaceuticals
Fahmi Quadir ganhou fama depois de apostar contra a Valeant Pharmaceuticals Bloomberg

Mesmo antes do ataque orquestrado no fórum do Reddit, onde um "exército" de 6 milhões juntou forças para impulsionar o valor das ações mais odiadas pela elite dos hedge funds, já não estava fácil fazer short selling. Uma grande maioria dos shorts já era irrelevante, sobretudo devido à popularidade dos fundos de índices e ao "bull market" mais longo da história.

Os números desta atividade têm vindo a baixar há já algum tempo. Entre os milhares de hedge funds de uma indústria de 3,6 biliões de dólares, apenas 120 são especializados na aposta na queda das ações. Neste grupo, o valor dos ativos geridos baixou para metade no espaço de dois anos, totalizando atualmente apenas 9,6 mil milhões de dólares, de acordo com os dados da Eurekahedge.

"É como assistir à polícia a roubar num banco", ilustra Crispin Odey, um dos gestores de hedge funds mais "bearish" em todo o mundo. "Antes do ataque do Reddit as posições curtas no mercado já eram mais baixas do que há 15 anos".

 

Alguns dos short sellers mais temidos do mercado estão agora a proteger-se. Carson Block, conhecido por provocar fortes quedas nas ações com as suas notas de research, cortou as posições curtas de forma massiva. Um hedge fund de 1,5 mil milhões de dólares com sede em Londres, que apresenta um dos melhores registos do setor, recusou em ser citado neste artigo com medo de ser depois perseguido pelos investidores de retalho. Outro deu ordens a vários trabalhadores para vasculharem o fórum wallstreetbets para perceber se a revolta dos investidores amadores envolvia as ações onde tinha posições curtas.

O short seller Gabriel Grego, fundador do Quintessential Capital Management, anunciou que vai deixar de vender a descoberto em Wall Street. Apesar do short selling "estar vivo e a bombar", nesta altura é preciso cautela, afirmou. A revolta com a GameStop mostra que os investidores de retalho estão conscientes do seu poder e que este não vai desaparecer, explicou.

Odiado mas necessário

Os shorts enfrentaram vários períodos de cerco ao longo dos mais de quarto séculos de existência. Diz a história que o primeiro trade do género aconteceu em 1609, quando o mercador flamengo Isaac Le Maire tentou shortar ações da Dutch East India. Um anos depois, a empresa convenceu o governo holandês a proibir vendas a descoberto, argumentando que o objetivo de Le Maire passava por atingir acionistas inocentes, incluindo "viúvas e órfãos".

A prática também foi banida 200 anos mais tarde por Napoleão e, durante o crash de Wall Street de 1929, o short seller Ben Smith contratou guarda-costas devido às ameaças de investidores furiosos. Quando a crise financeira se intensificou em 2008, os reguladores norte-americanos restringiram o short selling de ações de cotadas do setor financeiro. Muitos outros países fizeram o mesmo. Mais recentemente o bilionário Elon Musk classificou os short sellers de "escumalha".

 

Numa perspetiva mais favorável, os shorts são vistos como o último guardião de Wall Street, devotando horas sem fim de detetive e atividade forense, enfrentando empresas poderosas e reguladores, expondo-se a perdas ilimitadas. Os apoiantes argumentam que num mundo onde o research tradicional tem dificuldades em recomendar a venda de ações de empresas em dificuldades e o investimento passivo tem um papel cada vez maior, os descendentes de Le Maire são extremamente necessários.

No caso Enron, Jim Chanos, fundador do hedge fund Kynikos Associates, ajudou a expor a fraude e teve um papel fundamental na queda das ações de 79,14 dólares em média em 2000, até dezembro de 2001, quando afundaram para 0,60 dólares. Mais recentemente, os reguladores alemães elogiaram o papel dos short sellers depois de no início terem criticado a perseguição à Wirecard, que entrou em insolvência depois de detetado um buraco de 1,9 mil milhões de euros nas contas.

 

Nova ordem

Outros observadores são menos simpáticos. Antes da crise financeira de 2008, os reguladores norte-americanos alteraram as regras que facilitaram o short selling, lembra Brian Barish, chief investment officer (CIO) da Cambiar Investors. Alguns hedge funds usaram essa alteração como uma ferramenta para atacar empresas que eram viáveis mas necessitavam de capital. Seguiram-se falências e muitas pessoas foram afetadas, lembra Barish.

"Não penso que os hedge funds precisem de ajuda", diz Barish. "Deixem-nos provar o próprio veneno".

Nesta altura, os hedge funds que utilizam a tática de fazer apostas alavancadas contra empresas para alcançar ganhos de curto prazo enfrentam riscos de sobrevivência. Espera-se que agora sejam mais seletivos, evitem trades volumosos, peçam menos ações emprestadas e afastem-se de empresas quem têm uma forte base de investidores de retalho na estrutura acionista. Mais importante ainda, que possam recuar se for necessário. 

 

Outros fundos devem optar por usar opções transacionadas fora de bolsa para apostar na queda das ações, uma vez que estes títulos não tem de ser inseridos nos documentos que são enviados aos reguladores. O facto de o Melvin Capital ter divulgado publicamente as suas posições curtas ajudou a que este hedge fund fosse um alvo dos investidores do Reddit.

Muitos ainda acreditam que o short selling ético, com a perseguição criminal de empresas, vai sobreviver. Os investidores amadores até podem ter menos motivações para se revoltarem contra estas posições curtas bem intencionadas que expõem companhias fraudulentas.

Contudo, estão menos certos sobre a resiliência do short selling passivo, em que os traders apostam na queda das ações não por razões criminais, mas antes tendo em conta os fundamentais da cotada. Como a aposta da Melvin Capital em shortar a GameStop, por exemplo. 

"Acredito que este fervor especulativo que transformou o mercado de ações num casino vai embater contra uma parede, como acontece com todas as bolhas, o que vai providenciar um conjunto de oportunidades como temos visto nas nossas carreiras", diz Jim Carruthers, que lidera o Sophos Capital Management. Este hedge fund está a anular algumas posições curtas, mas o gestor diz não estar preocupado.

 

Para já, a saga do GmeStop representa uma mudança de poderes sem precedentes onde um cocktail de dinheiro barato, trading sem comissões, uma sociedade aborrecida com a quarentena e um sentimento de "ataque ao homem" por parte das massas transformou o investidor de retalho de presa em caçador.

Tal como o gestor da Citron explicou no vídeo onde anuncia a saída do mundo dos shorts: "Há 20 anos fundei a Citron com o intenção de proteger o individuo contra Wall Street – contra as fraudes e as promoções de ações". Desde então, explicou Andrew Left, a Citron perdeu o foco. "Tornamo-nos no ‘establishment’".

 

Ver comentários
Saber mais short sellin gamestpo reddit
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio