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Rei dos hedge funds sofre ano de perdas, resgates e conflitos
Ray Dalio está atravessar um ano tão mau que o bilionário corre o risco de perder o seu cobiçado título de rei dos hedge funds.
A Bridgewater Associates, que gere 148 mil milhões de dólares em ativos, teve fortes perdas neste ano, mesmo com os rivais a ganharem dinheiro em alturas de turbulência nos mercados. Nas perdas até agosto destaca-se a queda de 18,6% no principal fundo Pure Alpha II.
Estas perdas, as piores numa década, encabeçam uma extensa lista de problemas que mergulharam a Bridgewater num período de gestão de crise, de acordo com mais de 25 pessoas com conhecimento das atividades internas da empresa.
Primeiro, os modelos de computador da Bridgewater inicialmente interpretaram mal os mercados pelo segundo ano consecutivo. O que levou grandes clientes a tirarem dinheiro dos fundos. Investidores resgataram 3,5 mil milhões líquidos durante os primeiros sete meses do ano e os consultores do setor esperam mais saques.
Se tudo isso não bastasse, Dalio perdeu uma disputa de arbitragem com ex-funcionários, está em guerra com o seu ex-copresidente e demitiu dezenas de pessoas.
É uma reviravolta impressionante para Dalio, de 71 anos, que há muito se orgulha de ser um grande pensador da economia mundial, gestão e muito mais. Os insiders da Bridgewater dizem que a empresa pode ter perdido o rumo enquanto Dalio cultivava a sua imagem iconoclasta, frequentava o circuito de Davos e publicava o seu best-seller de 2017, "Princípios", com as suas regras para a vida e os negócios.
Em reuniões virtuais com funcionários e em cartas a clientes, Dalio e os seus codiretores de investimentos tentaram colocar uma face otimista na situação. Seres humanos tendem a aprender mais com os erros do que com os sucessos, dizem, e este ano, "estamos a aprender muito".
Retornos baixos
Apesar da turbulência, a empresa está confiante na sua posição e na capacidade de obter bons resultados para os clientes.
"Os investidores acreditam que este ambiente, onde o mundo está a mudar rapidamente, é um ambiente forte para uma empresa como a nossa, que está muito comprometida em entender como o mundo funciona", disse a Bridgewater, com sede em Westport, Connecticut, em comunicado.
A empresa disse que tem 45 compromissos de investidores, incluindo muitos na faixa de mil milhões de dólares, sem especificar se o dinheiro será alocado nos hedge funds Alpha, com comissões mais altas, ou nos chamados produtos comprados, os chamados "long only", mais baratos.
Mas não há como escapar dos retornos baixos durante um ano em que os ativos, de ações globais ao ouro, valorizaram numa altura de turbulência. Rivais como Caxton Associates e Brevan Howard Asset Management registaram ganhos de dois dígitos.
A incapacidade de transformar grandes ideias em grandes retornos neste ano pode ser a gota d’água para alguns investidores, após quase uma década de ganhos baixos de um dígito em conjunto com altas comissões.
O problema, segundo pessoas com conhecimento interno que pediram para não serem identificadas, é que a Bridgewater cortou o risco em março, quando o mercado afundou e demorou a subir novamente - mesmo com o apoio sem precedentes da Reserva Federal. Portanto, apesar de estratégias acertadas como posições longas em ações, compra de ouro e aposta no iene em relação ao dólar, a empresa não conseguiu tirar partido da sua própria previsão.
É um erro que lembra a abordagem da empresa em janeiro do ano passado, quando o presidente da Fed, Jay Powell, sinalizou que faria o que fosse necessário para manter o crescimento da economia. Com retorno de 14,6% em 2018 principalmente devido à previsão de colapso do mercado em dezembro, a Bridgewater não conseguiu mudar o seu portfólio para uma posição mais otimista e perdeu pouco mais de 5% nos primeiros dois meses de 2019. Em resposta, ajustou os seus modelos para responder melhor à mudança de paradigma.
Melhorar os modelos
Enquanto os rivais como o Renaissance Technologies usam metódos quantitativos com uma forte componente de matemática, Dalio construiu a sua fortuna com base em modelos que dão relevância aos dados económicos.
Antigos colaboradores assinalam que o perfil de Dalio distraiu-o da gestão da companhia. Também resistiu a alterar os modelos informáticos e a incluir novos tipos de dados utilizados por outras companhias, como a atividade dos petroleiros e o dinheiro movimentado nos cartões de crédito. Uma das pessoas contactadas pela Bloomberg contrariou esta ideia dizendo que nos últimos cinco anos a Bridgewater efetuou melhorias significativas nos seus processos.
Além dos problemas de desempenho, também existem disputas com trabalhadores. A antiga co-CEO Eileen Murray processou a Bridgewater em julho devido a remunerações não pagas e alegou problemas de discriminação de género. Investidores e consultores alegam que a disputa está a ser um problema para a companhia, tendo em conta o estatuto de Murray na firma e na indústria financeira.
Karen Karniol-Tambour, head of research, também está em desacordo com a Bridgewater sobre a desigualdade nos salários da firma, noticiou o Wall Street Journal. Depois da notícia ter sido publicada, Karniol-Tambour enviou uma nota a clientes e trabalhadores esclarecendo que o conflito nada tinha a ver com o facto de ser mulher.
Entre as dificuldades, a Bridgewater cortou dezenas de empregos, argumentando que devido à pandemia é necessária uma força de trabalho mais reduzida e além disso a empresa conta ter menos clientes no futuro, o que não implica menos ativos sob gestão. A firma tem agora 300 investidores, quando no passado chegou a ter 350.
Os clientes que permanecem na Bridgewater citam uma rentabilidade anual de 10,4% desde 1991 e um serviço sem paralelo na indústria. Perto de 200 empregados, cerca de metade do total, trabalham diretamente com os clientes e a firma envia-lhes newsletters com análises de mercado. Produzem também relatórios à medida sobre as carteiras de investimentos de cada cliente – com análise de risco e outros indicadores.
Mas os trabalhadores da Bridgewater têm-se demonstrado insatisfeitos com o ambiente de instabilidade, baixos salários e despedimentos.
Uma disputa com dois jovens gestores de ativos, Lawrence Minicone e Zachary Squire, que deixaram a Bridgewater para criar a sua própria firma, a Tekmerion Capital Management, também gerou apreensão entre os trabalhadores. Isto porque um comité arbitral conclui, em julho, que a Bridgewater apresentou uma queixa de roubo de segredos comerciais contra a dupla sob falsos pretextos, com vista a atrasar o progresso dos seus ex-trabalhadores.
Abordagem extrema
O caso evidencia como a firma adotou uma abordagem extrema sobre os trabalhadores que pretendem deixar a Bridgewater. Quem sair da companhia, mesmo que seja despedido, fica dois anos com licença sem vencimento e durante esse período têm de pedir autorização para aceitar um novo emprego.
Os contratos de trabalho, sobretudo com colaboradores mais séniores, podem ser tão restritivos que por vezes impedem os empregados de transacionarem ações e outros títulos no resto da carreira. Muitos dos que trabalham na Bridgewater vão ter dificuldades a continuar a trabalhar no setor quando saírem da firma.
A Bridgewater responde que tem como objetivo proteger a sua propriedade industrial e apoiar os trabalhadores na sua carreira depois de saírem da firma. "Não sacrificamos o primeiro objetivo pelo segundo, mas trabalhamos arduamente para cumprir os dois", refere numa nota, onde acrescenta que "acreditamos que somos justos e razoáveis".
As alterações que estão a ser efetuadas este ano aos modelos de investimento podem eventualmente ter sucesso – a Bridgewater ganhou fama por recuperar sempre depois das quebras, apesar de mostrar dificuldades no início. Apesar de ter perdido 20% na crise financeira de 2008, acabou esse ano em alta e nos anos de 2010 e 2011 alcançou valorizações de 45% e 25%, respetivamente. Depois da perder 22% no ano da bolha das "dotcom", em 2000, registou três anos seguidos de ganhos acima de 20%.
Um desempenho semelhante desta vez pode já vir muito tarde para alguns investidores que já perderam a fé em Dalio. Depois de abandonar as funções de CEO, a sua reputação foi abalada pela publicação do seu livro, amizades com celebridades como Sean Combs e presença em eventos como o festival Burning Man.