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Depois do subprime em 2008 reguladores preocupados com bomba-relógio dos CLOs

Depois de vários bancos centrais e reguladores financeiros terem emitido alertas sobre os riscos dos empréstimos alavancados, o Conselho de Estabilidade Financeira vai lançar uma análise aprofundada aos CLOs, que estão a soar os alarmes e a trazer à memória a crise de 2008.

EPA
07 de Março de 2019 às 16:08
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Mais de dez anos depois da crise financeira global de 2008, conhecida também por crise do subprime, há um novo foco de preocupação que está a motivar alertas de bancos centrais e reguladores financeiros de todo o mundo. Trata-se do gigantesco mercado de empréstimos alavancados, cujo crescimento traduz a prática cada vez mais popular entre os grandes investidores de emprestar dinheiro a empresas com fraco historial de cumprimento.

Na base deste mercado estão instrumentos complexos denominados de obrigações de empréstimos colateralizados (CLO, na sigla inglesa) que são, no fundo, o resultado da titularização de empréstimos concedidos pelos bancos a empresas de alto risco, tipicamente já endividadas e com baixa notação financeira.

Os CLOs são, assim, semelhantes aos CDOs (obrigações de dívida colateralizada) que estiveram na origem da crise financeira global, com a diferença de que estes últimos não tinham por trás dívida de empresas mas sim créditos hipotecários.

O problema é que as semelhanças não ficam por aqui: estima-se que este mercado de empréstimos de alto risco supere já os 1,4 biliões de dólares – com novas emissões anuais de 100 mil milhões de dólares - um valor equivalente ao volume de CDOs (subprime) em 2008.

"Os mercados financeiros têm memória curta. Nos últimos tempos convenceram-se de que os CLOs são instrumentos muito mais seguros do que os CDOs, nos quais se baseiam, e que ajudaram a precipitar a crise de 2008. Estão errados – e de uma forma muito perigosa", escreve Satyajit Das, considerado pela Bloomberg uma das 50 figuras financeiras mais influentes, em 2014, num artigo de opinião publicado esta semana pela agência noticiosa.

Conselho de Estabilidade Financeira quer análise aprofundada aos CLOs

Nos últimos tempos, várias autoridades têm sinalizado este mercado em crescimento como um potencial risco para a estabilidade financeira global. Fundo Monetário Internacional, Reserva Federal dos Estados Unidos, Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), Banco de Inglaterra, Banco do Japão – onde os bancos são grandes compradores de CLOs – já emitiram alertas, a que se juntam agora os avisos do próprio Conselho de Estabilidade Financeira, que lançou recentemente uma análise aprofundada a este mercado, que se afigura como o novo elefante na sala.

Numa entrevista publicada esta quinta-feira, 7 de março, pelo Financial Times, o presidente deste organismo, Randal Quarles, explica que o Conselho pretende identificar quem são os detentores de CLOs, a nível global, e avaliar os riscos associados à retirada de dinheiro desses instrumentos, num cenário de desaceleração ou eventual contração económica.

"Do ponto de vista dos riscos para a estabilidade financeira, precisamos de saber mais sobre isto do que sabemos atualmente, e criámos um processo nesse sentido", explicou Randal Quarles. "Deve haver uma resposta transfronteiriça ou transversal da supervisão ou da regulação para mitigar esse risco? É assim que esperamos que as coisas evoluam se a análise mostrar que há alguns riscos respondíveis".

A análise a este mercado, que é esperada no outono, é parte da tentativa do Conselho de se focar novamente na identificação dos riscos que existem no horizonte, depois de este organismo ter passado a última década dedicado ao reenquadramento da regulação financeira do pós-crise.

Entres os riscos já sinalizados estão claramente estes instrumentos complexos que, tal como aconteceu antes da crise financeira, foram potenciados pelo ambiente de juros baixos, que levou e está a levar novamente os investidores a procurar retornos mais atrativos em investimentos de maior risco. Este ambiente de juros baixos, juntamente com os requisitos menos rigorosos na concessão de crédito, está a levar as empresas a acumularem grandes quantidades de empréstimos baratos sendo que, nos Estados Unidos, por exemplo, a dívida do setor não financeiro em percentagem do PIB já é hoje mais elevada do que antes da crise.

CLOs: O que são e porque estão a crescer?

Os CLOs voltaram a entrar no radar dos bancos centrais e dos reguladores porque o seu volume crescente indica que os investidores, entre os quais instituições financeiras, têm nas suas carteiras uma quantidade cada vez maior de dívida de alto risco.

Isto porque os CLOs são basicamente títulos que têm por trás créditos que os bancos concedem a empresas geralmente já endividadas e que depois são vendidos a investidores em tranches – como fundos de pensões e gestores de ativos – que passam a receber os pagamentos devidos por esses títulos.

Os juros pagos pelos devedores – as empresas – são pós-fixados, subindo e descendo em linha com outras taxas de juro de curto prazo, em vez de serem fixos como numa obrigação, o que os torna investimentos mais atrativos.

Os empréstimos também têm prioridade sobre as obrigações no caso de uma falência, tornando-os teoricamente uma forma mais segura de emprestar dinheiro a empresas mais arriscadas.

No entanto, se foram os juros baixos que levaram os investidores a procurar este tipo de investimento, é a subida – como está a acontecer nos Estados Unidos, com o aumento dos juros da Fed desde 2015 – que está a reforçar essa aposta, com os investidores a canalizarem cada vez mais recursos para os CLOs para beneficiarem da subida dos juros (que se traduz num aumento dos pagamentos que as empresas têm de fazer pelos empréstimos).

O equilíbrio é, portanto, delicado, e uma alteração acentuada na política monetária e/ou na evolução da situação económica pode criar fissuras perigosas neste mercado: tanto a subida dos juros pode começar a comprometer a capacidade das empresas de cumprirem as suas obrigações – forçando perdas nos investidores - como a sua eventual descida pode diminuir a atratividade destes instrumentos, levando os investidores a retirarem dinheiro, os bancos a apertarem a concessão de crédito e as empresas a terem dificuldades em refinanciar a dívida, criando riscos em todo o sistema.

"Há demasiados paralelismos com 2008 para estarmos confortáveis. Os investidores, muitos deles com um conhecimento duvidoso, aumentaram a sua exposição na busca por retornos mais altos, que podem chegar a 20% para as tranches mais arriscadas", escreve Satyajit Das. "Os bancos também têm subscrito empréstimos alavancados e CLOs estruturados de forma agressiva, tendo ganhado cerca de 2,8 mil milhões de dólares no ano passado. Incorporado neste episódio especulativo, como nos seus antecessores, está uma fuga eufórica da realidade e uma cegueira aos riscos que continuam a subir".

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