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Queda de confiança nas tecnológicas obrigará a maior legislação?
A resposta devia ser afirmativa depois da semana horribilis que, de forma distinta, é certo, abalou o Facebook e o negócio de condução autónoma da Uber. O escândalo dos 50 milhões de perfis “roubados” à plataforma de Mark Zuckerberg e a primeira morte provocada por um veículo sem condutor dão o mote a várias perguntas que precisam de ser respondidas. As empresas estão a assumir a responsabilidade necessária pelas consequências das tecnologias que desenvolvem? Os legisladores estão a apertar suficientemente as rédeas soltas a que se habituaram estes colossos tecnológicos? Até que ponto é que todos nós, utilizadores digitais, pactuamos com o actual estado das coisas?
Apesar de vivermos num mundo tão imprevisível que é impossível saber o que vai acontecer no minuto seguinte, também conhecemos o contexto no qual o mesmo vai girando e as forças que, com alterações mais ou menos significativas, caracterizam este quase final da segunda década do século XXI. Tensões de natureza variada perturbam a sociedade onde nos movemos, o populismo crescente e o reerguer dos nacionalismos começam a fazer parte do "novo normal" e a tecnologia corre tão rápido que já é difícil afirmar se vivemos o futuro no presente ou se estamos a preparar o presente para o futuro.
Por outro lado, e neste admirável mundo novo em que nos habituámos a viver, a ausência de confiança nas instituições é também um dado adquirido, sobre o qual não perdemos tempo a reflectir. Apesar de estes índices de confiança estarem, consecutivamente, a bater mínimos históricos, não é algo que nos tire o sono. De acordo com o Edelman Trust Barometer que avalia a percepção de milhares de pessoas em dezenas de países no que respeita ao seu nível de confiança nas empresas, nos media, nos governos e nas organizações não-governamentais, em 2017 – e só para dar uma ideia do quão mal vai a nossa credibilidade no mundo que nos rodeia – em quase dois terços dos 28 países auscultados, a generalidade da sua população não acreditava que estas quatro instituições "fazem o que é certo" – sendo que a média de confiança total em todas elas estava, há um ano, abaixo dos 50%. Mas, e já com resultados frescos para o ano de 2018 e pela primeira vez, os media aparecem no topo das instituições que menos confiança geram globalmente, muito por culpa dos motores de busca e dos media sociais. Assim, seria de supor e por uma questão de lógica, que os internautas não confiam de todo nas empresas tecnológicas que dominam o ambiente digital, apesar de ser crescente o tempo em que "vivem imersos" nas mesmas.
Ora, crescentemente nas (más) notícias, também seria de supor que ao serem questionados sobre o quão confiam nos gigantes tecnológicos, a resposta fosse simples: "muito pouco" ou "nada". Pois bem e surpresa, não é o que acontece. Contando com as notícias falsas, com as alegadas interferências em processos eleitorais, com os lucros astronómicos provenientes da partilha e/ou venda dos nossos dados pessoais, entre outros "feitos" similares com os quais pactuamos no nosso dia-a-dia, tudo indicaria para a existência de graves problemas nestes colossos digitais, acusados – e com razão – de corroer a confiança política e pública. Todavia e de acordo com uma sondagem realizada em finais de 2017 pelo The Verge, os inquiridos confiam tanto na Amazon como no seu banco, ficariam "muito preocupados" se não pudessem utilizar os serviços da Google, consideram que as notícias que circulam no Facebook são tão credíveis como as de qualquer outra fonte e "sentiriam a falta" da rede social de Mark Zuckerber caso esta desaparecesse. Adicionalmente, também a revista Wired publicou um artigo com várias sondagens que, independentemente dos vários "contratempos" que têm elevado as críticas a estas super-tecnológicas, confirmam que os níveis de confiança nas mesmas não têm sofrido alterações significativas.
Contudo, também é verdade que os alertas se estão a multiplicar no que respeita ao crescimento desmesurado do poder dos gigantes de Silicon Valley, os quais estão também sujeitos a um escrutínio cada vez mais intenso e a uma necessidade de legislação mais apertada que os possa controlar adequadamente. Mas e mesmo com os mais recentes escândalos que envolveram, nos últimos dias, o Facebook e a Uber, em domínios distintos, é certo, será que alguma coisa vai mudar?
Facebook sem vergonha e a Europa empenhada em legislar
As alegações crescentes de impropriedade e indecência em plataformas como o Facebook e o Twitter deram origem, nos últimos tempos, a um diálogo global sobre a influência e poder exercidos pelos media sociais e por outras empresas de Internet. Se as alegações começaram com a interferência da Rússia na campanha presidencial de 2016 nos Estados Unidos, o escândalo que rebentou esta semana com o Facebook e com a empresa britânica Cambridge Analytica (CA) veio acicatar ainda mais os ânimos no que respeita à utilização desbragada dos nossos dados pessoais, à capacidade desmesurada que estas plataformas têm em manipular os comportamentos dos seus utilizadores e, até agora mais grave do que tudo o resto, o poder que adquiriram para influenciar resultados eleitorais.
O tema da semana – e muito possivelmente de mais umas tantas que se seguirão – começou por ser revelado pelo jornal britânico Observer e cedo correu mundo. Em causa está a empresa britânica de análise de dados Cambridge Analytica (CA), que trabalhou com a equipa da campanha eleitoral de Donald Trump e também com a campanha vencedora do Brexit, e a recolha que fez de cerca de 50 milhões de perfis do Facebook, de eleitores dos Estado Unidos, os quais foram posteriormente utilizados para construir um poderoso programa de software capaz de prever e influenciar as escolhas de voto à boca das urnas. O Facebook ainda se tentou "safar" das suas responsabilidades, mas certo é que esta "fuga de dados" – "admitida" tardiamente pelo próprio Zuckerberg e depois de alguns dias de silêncio – já lhe custou – e no dia em que este artigo está a ser escrito, quarta-feira, 21 – a perda de cerca de 50 mil milhões de dólares do seu valor de mercado.
Os dados foram recolhidos através de um app chamada "thisisyourdigitalife", construída por um académico da Universidade de Cambridge, Aleksandr Kogan e através da empresa deste, a Global Science Research (GSR), usados pela CA, que pagou a milhares de utilizadores para fazerem testes de personalidade – a cerca de 270 mil – que concordaram com a "utilização académica" dos mesmos. Mas e como também já se sabe, a aplicação acabaria por recolher igualmente a informação dos amigos de Facebook dos utilizadores que se tinham prestado a responder aos testes em causa, sem estes saberem e, por isso mesmo, sem o seu consentimento, o que acabaria por compor o gigantesco número de 50 milhões de perfis "roubados" à plataforma de Mark Zuckerberg – que será entretanto chamado a depor tanto no Senado dos Estado Unidos como no Parlamento Europeu – e utilizados para influenciar as opções de voto nas eleições de 2016 nos Estados Unidos. Para além das inúmeras implicações legais e políticas do caso, o Facebook tem vindo a ser fustigado pela falta de transparência que rodeia toda esta história com contornos e tentáculos de natureza variada e a famosa rede social poderá vir a sofrer consequências sérias, estando nomeadamente sujeita a punições que poderão ascender a muitos milhões de dólares.
O debate sobre o poder e a falta de ética das grandes tecnológicas não se esgota, contudo, na utilização de dados privados dos seus utilizadores, na inundação dos mesmos em "fake news" ou na manipulação dos seus comportamentos ou escolhas. Como também é sabido, o poder não regulado das plataformas de media sociais também permitiu a grupos terroristas, como o autoproclamado Estado Islâmico, aumentar significativamente as suas fileiras, o mesmo acontecendo com a explosão dos discursos de ódio ou com a disseminação de pornografia infantil.
Muito lentamente, os legisladores começam (?) a dar um ar de sua graça. Nos Estados Unidos e por exemplo, os democratas do Senado estão a trabalhar numa legislação que pretende exigir que as empresas de Internet sejam obrigadas a revelar os nomes de indivíduos ou organizações que despendam mais de 10 mil dólares em anúncios relacionados com eleições. Em França, o presidente Emmanuel Macron tem vindo a liderar os apelos para fechar as lacunas fiscais que têm vindo a permitir que gigantes tecnológicos dos Estados Unidos, como a Google, o Facebook ou a Apple paguem impostos "miseráveis" na Europa. Por seu turno, e para além do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados, que entrará em vigor a 25 de Maio de 2018, em todo o espaço europeu, reformulando artigos do regulamento actual e introduzindo novas regras e obrigações a cumprir, a Comissão Europeia está igualmente a "pedir" às empresas de Internet que dêem passos em frente no que respeita à remoção de conteúdos online ilegais tendo em vista o combate ao recrutamento de terroristas, aos discursos de ódio e à pornografia infantil.
De acordo com as previsões do Global Business Policy Council, o think tank da consultora a.T.Kearney, este escrutínio atingirá o pico em 2018 e será traduzido por propostas legislativas que "ferirão" as empresas de internet em três áreas fundamentais: na sua capacidade para influenciar a opinião pública através de publicidade (de natureza variada), no seu modelo de negócio que transforma os dados dos utilizadores numa commodity e no seu poder monopolista.
Com as recentes notícias que vieram a lume esta semana e que colocam o Facebook perante o talvez maior escândalo da sua história – e sobre o qual a procissão parece ainda ir no adro – talvez seja altura de, nos Estados Unidos e como refere também o documento da A.T. Kearney, que a secção 230 da denominada Lei da Decência nas Comunicações volte a estar na mira dos legisladores. Elaborada em 1996, esta lei dispensa as empresas de internet de responsabilidades na quase totalidade de conteúdos ou acções ilegais perpetrados pelos seus utilizadores, sem ter em atenção que a Internet cresceu e com ela as obrigações dos gigantes que a controlam.
Mais ainda e de regresso à Europa, a aceleração da cobrança de multas aos gigantes de Silicon Valley – que podem ser ainda maiores do que a recordista coima de 2,7 mil milhões de dólares aplicada à Google em Junho do ano passado – está também muito clara nas ambições da Comissão. Espera-se que a Comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, seja particularmente activa no reforço desta fiscalização, apostando numa forte cultura de controlo antes de terminar o seu mandato em 2019.
E, por último, a Comissão Europeia propôs também esta semana novas regras para garantir que as actividades empresariais digitais sejam tributadas de uma forma justa e favorável ao crescimento na UE: ou seja, taxar as empresas digitais nos locais onde estas geram receitas, ao invés de considerarem o local onde estão sedeadas, o que indicia também uma nova guerra entre os Estados Unidos e a Europa. De acordo com um comunicado de imprensa emitido pela própria Comissão, "com estas medidas, a UE tornar-se-á um líder mundial em matéria de concepção de legislação fiscal adaptada à economia moderna e à era digital". Resta saber o que mais conseguirá fazer relativamente a outros temas menos materiais e mais éticos.
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