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Qual a parte da ameaça climática que ainda não percebemos mesmo?
O Verão foi quente e foram muitos os cidadãos do mundo que sentiram, literalmente na sua pele, que o clima está diferente. Bateram-se recordes de temperaturas e estima-se que o Inverno que se aproxima será o mais frio dos últimos anos na Europa. Os denominados eventos climáticos extremos duplicaram também desde 1990. O Acordo de Paris foi finalmente ratificado e uma nova trajectória, irreversível, terá agora de ser seguida por governos e empresas rumo a uma economia descarbonizada. Mas e afinal, como são percepcionadas as alterações climáticas pelos cidadãos? Qual o papel dos media nesta batalha que terá de ser de todos? E está ou não o sector privado preparado – e convencido – de que o “clima” tem de passar a fazer parte da sua estratégia de negócio? As perguntas são muitas e tentamos responder a algumas delas
"Considerando que as alterações climáticas envolvem conceitos complexos e difíceis de transmitir, é necessário que existam formas adequadas de os fazer chegar aos leigos em linguagem acessível. Urge, portanto, a necessidade de melhorar consideravelmente a interligação entre o discurso científico e o discurso mediático, intensificando essa interligação para que a informação e os níveis de preocupação da população portuguesa aumentem e conduzam a níveis mais sustentáveis de responsabilidade e de incremento nas acções individuais".
O parágrafo acima reproduzido é da autoria de Cândida Rocha e resulta da tese de doutoramento que realizou, a qual teve como objectivo aferir as percepções sociais dos portugueses face aos riscos associados às alterações climáticas. Actualmente Professora na ULHT, a também Secretária-Geral da APEA – Associação Portuguesa de Engenharia do Ambiente e Doutorada em Ciências e Engenharia do Ambiente pela Universidade de Aveiro, analisa, de forma exaustiva, a abordagem aos impactos das alterações climáticas, tanto no discurso científico como no discurso mediático. Mas qual a relevância desta informação para o artigo que se segue? Toda, porque se os cidadãos do mundo, em conjunto com o sector privado e os governos, não tiverem a percepção o mais exacta e real possível do que pode acontecer se continuarmos a considerar este fenómeno como longínquo e/ou exagerado, poderá não ficar cá ninguém para contar a história. E, feito este "mini-prólogo", avancemos então para um dos textos que compõem a edição desta semana, dedicada à transformação das ameaças ambientais em oportunidades de bem-estar do planeta. E de lucros para as empresas também.
Ratificado que está, e finalmente, o Acordo de Paris, o tratado internacional que assume – e se compromete, sem ser, todavia, vinculativo – a reduzir o aumento global das temperaturas para atenuar o impacto das alterações climáticas, o que falta para que governos, empresas e cidadãos se unam em torno deste que é, sem dúvida, um dos mais prementes e exigentes desafios globais que a humanidade tem pela frente?
Exagerado seria afirmar que falta "tudo", mas a verdade é que falta ainda muita coisa, nomeadamente a percepção clara de que estamos perante uma problemática com impactos generalizados não só na vida do planeta, como nas nossas próprias vidas. Todavia, um dos dedos – porque são vários – que se apontam aos cientistas climáticos e, em particular, ao próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), o organismo da ONU criado em 1988 e que, consensualmente, representa a maior autoridade mundial no que respeita ao aquecimento global, é exactamente o de produzir informação demasiado densa e técnica que seja passível de ser lida e, mais importante que tudo, interpretada de forma eficaz, não só pelos decisores políticos, como pelo público em geral. E já que falamos em críticas, uma outra que é comum ser-lhe dirigida diz respeito ao "conservadorismo" que vários observadores afirmam existir nos resultados que tem apresentado, encarado como uma "suavização" forçada por parte dos governos das nações que integram a ONU, e que revêem e "aprovam" os seus extensos relatórios, e que podem comprometer a urgência do estabelecimento das políticas climáticas mundiais e nacionais.
Talvez por isso e no seguimento do Acordo de Paris, alcançado na COP21, em Dezembro último, o próprio IPCC tenha lançado recentemente um pequeno relatório, intitulado "The Truth About Climate Change" com apenas nove páginas e que descreve, de forma sumária e simples, o que está realmente em jogo caso não se aborde com urgência e eficácia este desafio global. Em simultâneo, esta "verdade" agora publicada faz lembrar uma outra, intitulada como "inconveniente", corria o ano de 2006, apresentada por Al Gore num documentárioque, pela primeira vez, tentava explicar ao cidadão comum o fenómeno do aquecimento global e que viria a contribuir para que o ex vice-presidente americano, em conjunto com o próprio IPPC, fosse agraciado com oPrémio Nobel da Paz em 2007.
Quase uma década passada, e recordando que o grande objectivo deste acordo subscrito por 195 países define, no geral, que as temperaturas médias globais até ao final do presente século não subam mais de 2 graus Célsius, de preferência limitadas a 1,5º C – o que ainda esta semana foi considerado como impossível por Sir Robert Watson (ex-presidente do IPCC) e por um conjunto de cientistas reconhecidos – e que a neutralidade das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) seja atingida, garantindo a descarbonização da economia até 2050, o que mudou, realmente, nas percepções dos governos, empresas e cidadãos?
Nas dos governos e ao que parece, e dadas as inúmeras manifestações de regozijo face ao acordo alcançado, parece que muito (resta saber a enorme diferença que vai das intenções às acções, nomeadamente a partir de 4 de Novembro próximo, a data que assinalará oficialmente a entrada em vigor deste tratado climático). Das empresas, depende do ponto de vista. Se muitas reconhecem a magnitude do problema, são ainda poucas as que apresentam uma visão estratégica, de curto, médio e longo prazo, para o abordar, e identificar não só os riscos para o planeta, como as oportunidades para os seus próprios negócios. Quanto aos cidadãos, os resultados são muito díspares e dependem, essencialmente, tal como afirmou também Cândida Rocha, do número e da "qualidade" das notícias veiculadas pelos media e, em muitos casos, da manifestação dos fenómenos climáticos considerados extremos quando estes lhes entram, muitas vezes literalmente, porta adentro. Aí sim, importam-se e muito.
Resta saber se a importância que se dá ao tema está realmente a evoluir, pois a verdade é que esta batalha não pode ser travada só por alguns, mas por todos. Como afirmava Kees Hoogendijk, em entrevista ao VER na passada semana, "a mudança virá das pessoas e não dos governos". Apesar de serem estes últimos que, em matéria de decisões, regulações, acções e implementações reais de "acordos", terão de oferecer condições que permitam que a mesma aconteça. Mas comecemos então, por nós, espécie humana.
Para o cidadão comum, as alterações climáticas são ainda muito nebulosas
No passado dia 4 de Outubro, o Pew Research Center publicou um extenso e aprofundado estudo intitulado "The Politics of Climate". A um mês das eleições presidenciais, e com a América a viver uma das mais controversas e sujas campanhas da sua história, não é de estranhar que a primeira parte do estudo em causa tenha colocado a tónica nas visões polarizadas que respondentes democratas e republicanos demonstram ter sobre as causas e "curas" para as alterações climáticas, bem como a confiança que depositam nos cientistas do clima e nas suas pesquisas. No geral, o estudo revelou que 36% dos americanos se mostram extremamente preocupados com as questões climáticas. Este grupo é composto maioritariamente por democratas (72%) e por 24% de republicanos, sendo que o género feminino predomina ligeiramente também no que respeita a esta inquietação (55%). Mas e em simultâneo, as diferenças políticas não constituem os factores exclusivos subjacentes às visões relacionadas com esta ameaça global. O nível de preocupação das pessoas é igualmente importante. Os 36% de americanos que mais pessoalmente preocupados se mostram sobre as alterações climáticas globais, independentemente da sua ideologia política, mostram-se muito mais propensos a encarar a ciência climática como uma "ciência adquirida", a acreditar que os humanos são responsáveis, pelo menos em parte, pelo aquecimento do planeta e a colocarem uma grande fé – ou confiança – nos cientistas climáticos. E, seguindo a mesma bitola, este mesmo grupo tem uma inclinação muito mais reduzida para pensar que as pesquisas climáticas são influenciadas por considerações que não sejam evidências científicas, tal como os interesses de carreira dos próprios cientistas ou por tendências, orientações ou interesses políticos.
Todavia e no que respeita à percepção que têm do trabalho dos media, o caso muda de figura, mostrando uma divisão "apertada" entre os inquiridos: 47% dos adultos têm uma visão positiva do trabalho dos media no que respeita à cobertura das questões relacionadas com as alterações climáticas, ao passo que 51% afirmam exactamente o contrário, ou seja, que estes fazem um mau trabalho nesta área em particular. Em suma e no geral, 35% dos inquiridos dizem que os media exageram nas ameaças provocadas pelas alterações climáticas, uma percentagem similar (42%) diz que, pelo contrário, os media não a interpretam de forma suficientemente séria e apenas 20% consideram que a cobertura feita é "exacta".
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