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A vida social do dinheiro

Tendo como ponto de partida a crise de 2008, o mais recente livro do sociólogo Nigel Dodd, professor na London School of Economics, fornece um enquadramento nada ortodoxo sobre a verdadeira natureza do dinheiro. The Social Life of Money obriga a uma reavaliação de tudo o que sempre pensámos sobre o dinheiro, cruzando conceitos económicos, filosóficos, antropológicos, da linguística e até da psicanálise, e figuras tão díspares como Marx, Nietzche, Platão, Kant ou Simmel. E vem muito a propósito dos ventos de (aparente) mudança que sopram da Grécia

06 de Fevereiro de 2015 às 15:59
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"Costumamos pensar no dinheiro enquanto notas e moedas (…). Mas, na verdade, na maioria das vezes este toma a forma de ‘reivindicações’ efectuadas através do sistema bancário, e mediadas por cartões de plástico. O dinheiro tem uma qualidade dinâmica – é mais um verbo do que um substantivo. O dinheiro é uma reivindicação que se movimenta entre pessoas e é esse movimento que sustém o seu valor. Não tem valor devido às suas qualidades intrínsecas, mas por causa da série de relacionamentos dos quais faz parte. Por exemplo, aceitamos dólares, euros ou yens como recompensa do nosso trabalho e, de seguida, trocamo-los por bens e serviços.

 

Por outras palavras, o dinheiro define-se por aquilo que faz e não por aquilo que é."

Nigel Dodd

 

 

O que é o dinheiro? É a esta pergunta que o sociólogo Nigel Dodd, professor na London School of Economics, tenta responder no seu mais recente livro "The Social Life of Money". Ubíquo e entendido como uma garantia para todos – não no sentido de termos o suficiente nos bolsos ou nas contas bancárias, mas antes ligado ao facto de apreçarmos objectos, bens, serviços, necessidades, e até o tempo, de acordo com normas monetárias – raramente nos questionamos sobre a sua verdadeira natureza.

 

Enciclopedicamente definido como um meio de troca por excelência, cujas origens e consequente evolução remontam aos tempos em que foi necessário conferir valores distintos às diferentes mercadorias transaccionadas, o dinheiro na "modernidade" é-nos comummente apresentado como um avanço mecânico – não muito diferente do que aconteceu com a roda, por exemplo – que reduziu as suas dificuldades logísticas. A visão de Nigel Dodd é, contudo, oposta à definição do dinheiro enquanto uma mera forma de transacção, argumentando que nos faltam provas que suportem esta visão do dinheiro, estreita e orientada para a troca, e sugerindo que, na melhor das hipóteses, a mesma está incompleta e, na pior, representa um enorme constrangimento no que respeita a imaginarmos um mundo melhor.

 

Tendo como pano de fundo a crise financeira global de 2008 – em particular o resgate grego – o autor afirma ser tempo de se reconsiderar a natureza do dinheiro, na medida em que este atingiu um ponto crítico, em conjunto com novas formas e sistemas monetários a proliferarem rapidamente, de que são exemplo as moedas virtuais como o Bitcoin, omobile money, os empréstimos sociais, entre outros, que se afastam da hierarquia dos Estados e dos bancos. Apesar de a sua abordagem ser sociológica, o autor socorre-se de conceitos económicos, filosóficos, antropológicos, da linguística e até da psicanálise, e de figuras tão díspares como Marx, Nietzche, Platão, Kant ou Simmel, que escreveram sobre o dinheiro, mas não numa perspectiva estritamente "economicista". Não oferecendo nenhum caminho, mas antes múltiplas narrativas, Dodd recorda, por exemplo, que alguns académicos defenderam que o dinheiro "inicial" evoluiu como um tributo aos líderes religiosos, enquanto outros argumentaram que este servia, essencialmente, a necessidade humana de dar e receber presentes, ou ainda aqueles que o encararam como uma forma de comunicação com base numa linguagem comum. Em suma, o que Nigel Dodd tenta transmitir é que o dinheiro não evoluiu enquanto um instrumento mecânico que facilitasse as trocas entre partes distintas mas, e ao invés, sempre serviu propósitos sociais: "o dinheiro teve [e continua a ter] uma vida social".

 

Apesar de integrar nesta análise inovadora várias perspectivas académicas, o autor – que escreveu igualmente, em 1994, o livro "The Sociology of Money: Economics, reason and contemporary society" e irá publicar, este ano, um outro intitulado "Re-Imagining Economic Sociology" – assenta a sua abordagem no mundo real, sugerindo, por exemplo, que os recentes desenvolvimentos nos mercados provam que o sistema é disfuncional para as famílias e para os negócios "comuns", propondo concepções sociais diferentes sobre o dinheiro que poderão conduzir a melhores resultados.

 

Por exemplo e com a Grécia a dominar o panorama político actual e, consequentemente, o mediático, vem a propósito a história relembrada por Dodd sobre o famoso "jubileu da dívida", praticado na Mesopotâmia e na Babilónia, o qual decretava a anulação generalizada de dívidas dos cidadãos para com os poderes públicos, os seus altos funcionários e dignitário.

 

Ou, em suma, argumentando que o mesmo tinha propósitos sociais, Dodd sugere que políticas similares que oferecessem o perdão das dívidas, em particular aos agregados, durante a crise recente, poderiam ter tido melhores resultados sociais. Ao invés, a raiva e a desconfiança no que respeita às instituições – na medida em que se resgataram bancos, mas não pessoas – continuam a ecoar. Um outro exemplo de como a realidade parece estar em consonância com a escrita de Dodd [o livro em causa foi publicado em Novembro de 2014], vem da Croácia, a qual fez saber que pretende anular as dívidas de 60 mil cidadãos, com vista a dar um novo começo e "algum futuro" aos mais pobres.

 

 

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