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Supervisão financeira: Três vezes nada

A supervisão financeira mantém o sistema tripartido, entre a vigilância da banca, dos mercados de capitais e dos seguros. Ou seja, a mesma estrutura que falhou perante a crise. Continuamos críticos e explicamos porquê

30 de Abril de 2019 às 11:30
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No auge da crise financeira iniciada em 2007, um cartoonista publicou uma caricatura sobre o sistema bancário: antes da hecatombe, os bancos eram tão grandes, que não se podia imaginar que caíssem. Eram "too big to fail". Depois, passaram a "too big to jail". A felicidade do trocadilho é impossível de obter em português: perde-se a rima na tradução de "grandes demais para cair" a "grandes demais para a prisão".

Certo é que ainda hoje sentimos as consequências da queda em cascata dos bancos à escala mundial, e fazemos as mesmas perguntas de então. A principal será, certamente, porque falhou a supervisão?


O sistema de supervisão europeu ainda deverá ser revisto e alterado este ano. A Holanda e o Reino Unido adotaram sistemas centrados no modelo "twin peaks"


Desde aí, europeus e norte-americanos têm ensaiado algumas reformas no controlo do desvario dos mercados, com um foco especial nos produtos derivados, no crédito malparado e na fuga aos impostos. Mas são passos tímidos. A prova é a reforma dos sistemas de supervisão anunciada pela Europa e replicada no nosso país (através de uma proposta que, à hora do fecho desta edição, ainda aguardava por ir a votos no Parlamento).

Para dizer tudo numa frase, a medida não traz nada de novo. A mesma estrutura tripartida de especialização setorial - banca, seguros e investimentos - que existia antes da crise mantém-se. Embora, defenda o Governo com um reforço dos mecanismos de cooperação entre as diferentes entidades, à semelhança do que pretende a União Europeia. E quais são elas? São nomes de que temos ouvido falar muito nos últimos anos, pelas piores razões: o Banco de Portugal (BdP), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Ao primeiro, muitos já sabem, cabe a vigilância à prática da banca. À segunda, uma atenção especial aos mercados de capitais, para prevenir risco sistémico nesta selva endinheirada. À terceira, naturalmente, as competências vão à letra com o nome: a supervisão é feita sobre a atividade dos seguros e fundos de pensões. A novidade da proposta é algo abstrata: trata-se de reforçar as competências das três autoridades, que estão agrupadas numa entidade coordenadora, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF). Este modelo reproduz, então, a nível nacional, o do Sistema Europeu de Supervisão Financeira atual, ao qual correspondem - e respondem - as nossas três autoridades, no tal esforço, prometido na proposta, de sintonizar mais todos os organismos de supervisão.

"Twin peaks" sem nova temporada

Esta blindagem do sistema conta ainda com uma nova entidade na proposta do executivo. Trata-se da Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia (ARSG) e será a autoridade de resolução com natureza executiva, uma espécie de "braço armado" da supervisão, com autonomia orgânica, para gerir os mecanismos de "socorro" dos aforradores em caso de nova hecatombe: o Fundo de Resolução (para amparar algum "crash" num banco), o Fundo de Garantia de Depósitos (para resgatar os depositantes que tenham guardado no banco falido até 100 mil euros) e o Sistema de Indemnização de Investidores (até ao máximo de 25 mil euros por investidor).

Mas, se as boas intenções podem facilmente adivinhar-se na proposta, delas está o inferno cheio. Há muito que defendemos o modelo "twin peaks" que, à semelhança dos dois montes que dão o nome à cidade-cenário da série homónima, do norte-americano David Lynch, deveria separar os tipos de supervisão.

Tal como na série, em que a cidade é imaginária, parece uma miragem que a supervisão baseada neste modelo se torne real com esta proposta. Porquê separar? A supervisão prudencial e a comportamental deveriam ser distintas. Por definição, a primeira tenta garantir a solvabilidade das instituições e a segurança dos fundos que lhes foram confiados, e fomentar a estabilidade financeira e a confiança no sistema financeiro. A segunda procura a transparência da informação da publicidade dos produtos financeiros, antes e depois de firmados os contratos. Além disso, tenta assegurar a equidade nas relações entre as instituições financeiras e os consumidores e a proteção dos investidores.


Em Portugal, só os três maiores bancos - Caixa Geral de Depósitos, Millennium bcp e Novo Banco - estão sob supervisão direta do Banco Central Europeu


A separação destas duas formas de fiscalizar a atividade financeira protege melhor o consumidor. Este modelo baseia-se na existência de duas entidades supervisoras autónomas e independentes, cabendo a cada uma, respetivamente, a responsabilidade de toda a supervisão prudencial e a totalidade da supervisão comportamental. Perante o infortúnio, o consumidor deveria dirigir-se a uma única entidade para ser ressarcido e não a três. Mais: se continuar a haver más práticas na banca, como as que levaram à queda de BPN (2008), BPP (2010), BES (2014) e Banif (2015), o reforço de uma fiscalização pelo Banco Central Europeu (BCE) é relativa. Só os bancos de maior envergadura, como a Caixa Geral de Depósitos, o Millennium bcp e o Novo Banco (herdeiro do BES) é que estão debaixo da alçada direta do BCE. Mais uma razão para precisarmos de uma entidade reguladora nacional forte.

Os exemplos das más práticas e do conflito de interesses, como sabemos, são muitos. A forma como, por exemplo, o BES vendeu dívida própria e do Grupo Espírito Santo através dos seus balcões, ou o aumento de capital que realizou em maio de 2014, eram práticas criticáveis do ponto de vista de um supervisor comportamental. Mas, ao permitirem ao banco um alívio financeiro, facilitavam a vida do supervisor prudencial... Os consumidores, neste caso os clientes, contrataram produtos tóxicos levados pela publicidade agressiva do banco que procurava, afinal, financiar-se. O que se seguiu já sabemos. Não só os clientes perderam quase tudo, como os contribuintes foram chamados a pagar o desvario.


SEPARAR AS ÁGUAS

Há muito que defendemos a separação da supervisão prudencial e comportamental (relação com os consumidores). A sua junção na mesma entidade potencia erros graves devido ao conflito de interesses que pode existir entre a proteção da solvabilidade de uma instituição e o comportamento junto dos clientes.

 

Uma entidade única destinada a garantir a transparência do mercado protegeria melhor o consumidor, pois a oferta de produtos financeiros é transversal. Por exemplo, os bancos também vendem seguros e valores mobiliários. A que autoridade supervisora o consumidor deve dirigir -se? À ASF? À CMVM? A ambas? Por outro lado, evitaria os conflitos de interesses evidentes entre a supervisão prudencial e comportamental que, ao estarem integradas na mesma entidade, levam à primazia da primeira, em detrimento do consumidor. A este nível, já sabemos que o Banco de Portugal esteve muito abaixo do que seria desejável, nomeadamente na perspetiva da transparência do mercado e de defesa dos consumidores. Por outro lado, a concentração da supervisão prudencial numa única instituição, que passa a ser dotada de uma visão integrada e transversal, é mais eficaz para a supervisão do número crescente de conglomerados financeiros. Em suma, poder-se-ia ter seguido o modelo alternativo denominado "twin peaks", que prevê a existência de duas entidades supervisoras autónomas e independentes, cabendo a cada uma delas, respetivamente, a responsabilidade de toda a supervisão prudencial e comportamental.

(notícia atualziada com mais informação)

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