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Daniela Braga: "Os 'call centers' vão acabar"

A portuguesa DefinedCrowd é uma das empresas no Web Summit que estão a criar rupturas em negócio tradicionais. A CEO, Daniela Braga, diz que ver a feira de tecnologia em Portugal deixa-a “muito orgulhosa do país”.

DR
03 de Novembro de 2016 às 22:30
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A DefinedCrowd vai estar no Web Summit, porque "é preciso lá estar, mesmo", diz Daniela Braga, co-fundadora e CEO. Criada no final do ano passado, a empresa tem escritórios em Lisboa mas também em Seattle,  onde decorreu a conversa com o Negócios.

Como é que se explica a um leigo o que faz a DefinedCrowd?
Eu costumo explicar à minha filha que a mamã está a ensinar os robôs a falar. Quando se está numa aceleradora o desafio é explicar o que se está a fazer de forma a que uma criança de cinco anos, ou um velhinho de 95, perceba.

Então e como é que se põe os robôs a falar?
É muito mais complicado que isto e nós somos só uma parte. Há duas componentes: a parte de dados e a de modelização. A parte de dados é aquela que exige um conjunto de competências mais diferenciado, desde engenharia, recolha de dados em "crowd", linguística...

É preciso recolher vozes e modos de falar?
Sim, vozes, textos e formas de dizer coisas, variações. Formas de fazer perguntas às "Alexas" [assistentes virtuais, como a Siri, da Apple, ou a Cortana, da Microsoft]. Tenho uma festa no fim-de-semana, o que devo vestir? As máquinas estão cada vez mais inteligentes nesse sentido, de poder fazer recomendações, de perceber a intenção. As vozes são  transcritas, anotadas com semântica, com a intenção, com as entidades que podem dar a resposta.

É uma área em forte expansão?
Tem a ver com a explosão da inteligência artificial. Todas as grandes empresas querem ter o seu sistema inteligente, que conversa com o cliente e lhe proporciona uma experiência quase natural de comunicação. Trata-se de dar inteligência às máquinas, com corpo e sem corpo. Existem as "Siris" e as "Cortanas", que vivem dentro de hardware e os robôs mais ou menos humanóides. A explosão é brutal. A Ásia está cheia. Existem empresas só a fazer mímica para que robôs pareçam humanos, mas também para parecerem animais. A DefinedCrowd faz isto para a linguagem, mas queremos fazer tudo o que permita que a máquina pareça inteligente: reconhecimento de imagem, reconhecimento de movimento, reconhecimento facial. Os robôs vão começar a substituir-nos nas tarefas em casa. Vão começar a atender-nos nas lojas.

E os "call centers" com pessoas? Vão acabar?
Vão acabar. O "Interactive Voice Response"  é um negócio em declínio. E apesar de haver algumas empresas moribundas a tentar manter-se, a verdade é que os "call centers" vão acabar.

Vão ser substituídos por robôs?
Vão ser substituídos pela inteligência artificial. O que eu acho maravilhoso, sinceramente. Os Ubers também vão ser substituídos, com os carros autónomos. A Uber teve o "timing" certo para aparecer. Ou se reinventa ou daqui a cinco anos não vai andar aí com a mesma dimensão. Os carros vão começar a conduzir-se sozinhos, não vai haver a necessidade de táxis, é muito mais seguro. Vai tudo encaminhar-se para transportes públicos  automatizados.

A inteligência artificial vai mudar muito os paradigmas da vida actual.
Para podermos focar-nos no que é mais importante. Mais tempo livre, pensar em ter mais tempo uns para os outros em vez de estarmos tão focados em fazer tarefas rotineiras que as máquinas podem fazer por nós.

Vai ao Web Summit?
Sim, estamos lá, muito orgulhosamente, na banca da Microsoft. A ideia é fazer vendas. Nunca o fiz num evento destes. Mas  conseguem-se muitos contactos, mesmo que não se fechem negócios na hora. Faz-se muito relações públicas, o que é importante. Vêm 50 mil pessoas de todo o mundo, alguns nossos clientes.

É preciso lá estar.
É preciso lá estar, mesmo.

Como é que vê Portugal nesta tendência das start-ups, agora com o Web Summit?
Estou muito orgulhosa de Portugal. Nunca imaginei, sobretudo depois daquela fase de recessão. Tenho posto Portugal no mapa. Portugal está no mapa lá, mas ainda não está no resto do mundo. O talento é óptimo. Toda a gente está impressionada com isto. É de tirar o chapéu.

Acha que o evento vai puxar pelas start-ups portuguesas e trazer investidores?
Sim. Estas iniciativas são muito importantes para trazer investidores. Eu tenho colegas que estão a fazer start-ups em Portugal, que me perguntam como é que se conseguem os primeiros 50 mil ou 100 mil euros de investimento? E é verdade que é um bocado mais difícil para as empresas desbravarem em Portugal. Mas com as empresas unicórnio lá [em Portugal], com as Feedzai e as Talkdesk, isso já está a criar outra atracção de investimento.

Quais os planos da Defined Crowd para os próximos anos?
Nós temos que lançar o SaaS (Software as a Service), escalar. Temos de lançar a versão alfa da nossa plataforma para poder chegar às empresas mais pequenas. A ideia é que seja uma plataforma de dados para todos, focando no vertical. Para já linguagem. Visão e locomoção vem a seguir.

Isso vai passar por mais rondas de investimento?
Vai, certamente. Até ao momento já foram 1,1 milhões. E queremos ir para uma "series A", onde terei de estar a pedir no mínimo 3 a 5 milhões de dólares, mas não está definido.

"Senti sempre o estigma" da minha opção

Empreendedoras há muito poucas. Para Daniela Braga a razão é cultural, porque as exigências profissionais obrigam a cortar com o lado familiar e isso não é bem visto nas mulheres e por muitas mulheres. Sentiu-o na pele.

Porque é que há poucas mulheres empreendedoras?
Obviamente porque as mulheres empreendedoras tem de fazer o sacrifício muito grande de cortar com o lado familiar e em geral as mulheres não fazem isso. E os homens não apoiam. Os homens não apoiam essa parte. E, sobretudo, num casal às vezes há competição.

No seu caso teve apoio?
Não. Tive de deixar a família em Portugal.

É sempre mais difícil para uma mulher dar esse passo?
Eu tenho sentimentos mistos com Portugal. Por um lado estou orgulhosa com esta explosão de talento e de empreendedorismo. Até pelo meu caso, com o investimento da Portugal Ventures e toda a recepção que tenho em Portugal. Mas tenho também o lado familiar, difícil, porque sempre senti o estigma. Mas porque vais viajar com uma filha pequena? Mas vais deixá-la com alguém? Há sempre uma culpa social de que a mãe é que tem de ficar sempre com a filha. É a pressão da família, das mulheres. É muito cultural, e é pelo mundo inteiro. Aqui [em Seattle] os ares são muito mais arejados, mas é pelo mundo inteiro.

Aceita-se melhor...
Não há muitos apoios sociais. Quando tenho que viajar e deixar a minha filha com uma ama não posso pôr despesas dessa parte. Quem inventou as políticas de despesas em corporações são homens. E os homens quando viajam deixam os filhos com as mulheres. Portanto nunca foi um problema e não é uma despesa elegível. Mas  aqui há mais respeito e admiração. Em Portugal, no Norte, de onde eu sou, há muito o estigma.

 

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