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Novo aeroporto "jamais"? Debate leva quase meio século

Desde 1969 que uma nova infra-estrutura aeroportuária para Lisboa é tema de debate. Confira a evolução de um processo que já foi interrompido por várias crises, ponderou várias localizações e consumiu uma "floresta" em estudos.

19 de Dezembro de 2016 às 18:00
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O ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, garantiu este fim-de-semana, em entrevista ao Negócios e à Antena 1, que a construção de um novo aeroporto na Grande Lisboa é um processo "irreversível", sendo agora o Montijo a hipótese mais provável. Será desta que avança, em definitivo, um projecto várias vezes anunciado e cancelado, que tem animado o debate político no último meio século?

 

Busca de alternativas arranca em 1969

Menos de três décadas depois de ser inaugurado, em 1942, então na periferia de Lisboa, começa a ser debatida a relocalização do aeroporto da Portela por causa da rápida expansão urbana da cidade. A partir de 1969 começam a ser estudadas cinco localizações, todas na margem Sul do rio Tejo.

 

Primeiros estudos apontam para Rio Frio

Dois estudos independentes, concluídos em 1971, recomendaram a instalação da infra-estrutura aeroportuária em Rio Frio. O projecto era ambicioso: pressupunha a construção de quatro pistas paralelas e exigia a aquisição de uma área total que podia ultrapassar os 21 mil hectares, recorda um relatório apresentado em 2008 por Miguel Coutinho e Maria Rosário Partidário, do IDAD - Instituto do Ambiente e Desenvolvimento.

 

Hipótese da Ota surge no pós-revolução

A revolução de 1974 e a primeira crise petrolífera refrearam os planos para o novo aeroporto, que só voltaram a ser debatidos em 1982. É então encomendado um estudo abrangente, que analisou 12 alternativas e que aconselhou a construção na Ota, a cerca de 40 quilómetros de Lisboa, na margem direita do Tejo.

 

Montijo na equação com Portugal na CEE

Só depois da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE) é que este processo é reaberto com a realização de diversos estudos económicos e de viabilidade operacional, que se arrastaram durante oito anos. Rio Frio e Ota eram então as soluções mais faladas e comparadas, mas surge pela primeira vez a hipótese da adaptação para uso civil da base aérea do Montijo, na margem esquerda do Tejo.

 

Guterres assina pela Ota

Seguiu-se um novo e longo processo de análise, que culminou apenas em 1999 com a selecção da Ota como o local que melhor poderia conciliar os aspectos económicos e ambientais, já que, entre outros aspectos, a opção por Rio Frio obrigaria à destruição de mais de 50 mil sobreiros. A escolha foi confirmada em Conselho de Ministros a 22 de Julho de 1999 e esta localização seria mantida pelo governo PSD-CDS liderado por Durão Barroso e Santana Lopes, sem avanços no terreno, até ao início de funções do Executivo de José Sócrates.

 

Projecto retomado com Sócrates

Com a eleição do ex-ministro do Ambiente de António Guterres, em Fevereiro de 2005, é reiterada a decisão de construir na Ota e arranca logo o desenvolvimento detalhado do projecto e o respectivo estudo de impacto ambiental. Nessa altura é projectado um orçamento de 3.100 milhões de euros e estimado o ano de 2017 para a entrada em funcionamento da nova infra-estrutura. Porém, começam a surgir várias críticas à "complexidade topográfica e hidrológica" daquele local, que aumentaria os custos de construção limitaria a flexibilidade operacional aeroportuária.

 
Estudo da CIP marca viragem em 2007

O ano de 2007 traz uma alteração radical neste projecto. As críticas à localização da Ota vinham-se acumulando e tudo começa a mudar quando, em Março desse ano, a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) anuncia o patrocínio a um novo estudo para a identificar locais alternativos. O clima político é de grande pressão, com insistentes críticas da oposição à Ota e o apelo do então Presidente da República, Cavaco Silva, a um "debate aprofundado".

 

Mário Lino no "deserto" político

O então ministro das Obras Públicas e Transportes, que começava a ser acusado pela direita de ter uma "obsessão" pela Ota, vê esta discussão subir de tom quando dois meses depois, em Maio de 2007, durante um almoço da Ordem dos Economistas, afirmou que a margem Sul do Tejo era "um deserto". "O que eu acho que é faraónico é construir um aeroporto na margem Sul, onde não há gente, não há escolas, não há hospitais, não há indústria, não há comércio, não há hotéis", disse Mário Lino, acrescentando que todos os especialistas lhes diziam "na margem Sul 'jamais'". A expressão, em que usou o advérbio em francês, gerou grande polémica e ficaria para a história política, de nada valendo a garantia posterior de que tinha sido mal interpretado.

Na margem Sul 'jamais''. A expressão de Mário Lino gerou grande polémica e ficaria para a história política.
Na margem Sul 'jamais'". A expressão de Mário Lino gerou grande polémica e ficaria para a história política. Correio da Manhã

 

Alcochete ganha asas

Apenas três meses depois de ser iniciado, em Junho de 2007 um breve relatório realizado pelo IDAD era entregue pessoalmente pela CIP ao primeiro-ministro. E apontava já para um local alternativo, na margem Sul do Tejo, que nunca tinha sido considerado em estudos anteriores: a zona mais a nascente do Campo de Tiro de Alcochete (CTA), uma instalação militar.

 

Travão na Ota e LNEC no terreno

Este breve estudo de demonstração técnica tem um surpreendente impacto político imediato. A 11 de Junho, Mário Lino anuncia no Parlamento que a decisão sobre a Ota seria suspensa e que vai pedir ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) para avaliar a alternativa Alcochete. O despacho tem data de 12 de Junho de 2007, surgindo sensivelmente oito anos depois da selecção da localização Ota e dois anos depois de ser tomada uma decisão formal.

 

Segurança aérea "aterra" em Alcochete

O estudo do LNEC devia ter sido concluído a 12 de Dezembro desse ano, mas só no ano seguinte são reveladas as conclusões desse estudo do LNEC. Dos sete factores críticos considerados, quatro mostravam claramente que Alcochete seria uma escolha melhor do que a Ota. E entre eles, o da segurança aérea, que veio a ser o principal responsável pela escolha final. A 8 de Maio de 2008, o Conselho de Ministros aprova essa localização, com Mário Lino a desabafar que essa solução reunia "um largo consenso no plano técnico (…) e político", e [punha] fim a três anos de indecisão".

 

Derrapagem no concurso e nos custos

O concurso internacional para a construção do novo aeroporto devia ser lançado no primeiro semestre de 2009, mas acabou por derrapar por atrasos na aprovação das bases do contrato de concessão, por estarem ainda a decorrer estudos de impacto ambiental e porque faltava também definir o modelo de privatização da ANA, a empresa gestora dos aeroportos nacionais. Dos 3.100 milhões de euros estimados no início do mandato, as projecções de investimento evoluíram para quase 5.000 milhões de euros.

 

Grandes obras públicas na campanha eleitoral

Face a todos estes atrasos no processo, o concurso foi atirado para depois das legislativas de Setembro de 2009, com os grandes investimentos públicos a serem um dos principais temas de debate na campanha. Sócrates procurava a reeleição, que viria a alcançar, e tinha Manuela Ferreira Leite como principal rival. A presidente do PSD considera "um erro" avançar com o novo aeroporto, o TGV e a terceira travessia do Tejo, reclamando uma "revisão radical da política de investimentos públicos, substituindo o actual conjunto de obras megalómanas por investimentos de proximidade, com impacto directo na produtividade e na competitividade". Quanto ao aeroporto, prometia em Agosto desse ano que, caso formasse Governo, o projecto seria "equacionado por módulos ou fases de construção, em função das estritas necessidades de complemento do aeroporto da Portela".

 

Sócrates cancela projecto em Bruxelas

Sem maioria absoluta no Parlamento, com a reviravolta na política europeia de estímulo à economia através do investimento público e com a crise do Euro a degradar de forma acelerada as condições de financiamento, Sócrates anuncia a 7 de Maio de 2010 a suspensão do projecto do novo aeroporto como forma de reduzir o défice em 2010 para 7,3%. Colocava-se assim um ponto final num assunto que, aparentemente, não recolhia unanimidade sequer no Governo. "Não, não mudei de opinião. Essas obras continuam a ser absolutamente indispensáveis à modernização do país. O que acho é que é razoável esperar que a situação financeira estabilize de forma a poder lançá-las", justificou em Bruxelas o chefe do Executivo.

 

Montijo a complementar no pós-troika

Já com a troika fora de Portugal, o regresso do PS ao poder – agora suportado no Parlamento pelos partidos à sua esquerda –, o número de turistas a disparar, a TAP parcialmente privatizada e a ANA entregue ao grupo Vinci, o debate voltou a recrudescer em 2016. O agora aeroporto Humberto Delgado já ultrapassou a barreira dos 20 milhões de passageiros e o contrato de concessão entre o Estado e a ANA prevê que as iniciações arranquem quando se atingir o patamar dos 22 milhões por ano. A opção "Portela+1", com a utilização do aeroporto complementar do Montijo, é a que tem sido mais trabalhada. O ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, confirmou este fim-de-semana que os estudos para encontrar a solução arrancam já no próximo ano e que "o novo aeroporto avança em 2019".

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