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TAP contesta pedido de indemnização e acusa ex-CEO de acumular cargos em três empresas
Na contestação ao processo avançado em setembro por Christine Ourmières-Widener, citada pelo Eco e no qual pede uma indemnização de quase 6 milhões de euros, a defesa da companhia aérea revela que a gestora acumulou funções em mais duas empresas, além de ter fundado uma consultora do setor, o que viola os estatutos de gestor público.
A batalha nos tribunais para comprovar, ou não, o despedimento por justa causa de Christine Ourmières-Widener ganhou novos contornos. Em causa está o pedido de indemnização de quase 6 milhões de euros pela gestora que, desde julho do ano passado, passou a ser CEO do Grupo Dubreuil, dono da Air Caraibes e da "low-cost" French Bee.
Segundo a ação que deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em setembro, este "bolo" prevê o pagamento dos valores que teria direito até a final do contrato bem como, por exemplo, prémios de desempenho, tendo em conta que defende que o despedimento anunciado em março do ano passado foi "ilegal", como o Negócios noticiou. Mas as informações apresentadas pela TAP na contestação à ação apontam para que a gestora tenha violado as regras do estatuto de Gestor Público validando, assim, o despedimento por justa causa.
Segundo o documento citado pelo ECO, na contestação apresentada esta segunda-feira a defesa da TAP acusa a antiga CEO de ter "sonegado informação" sobre uma consultora de viagens e aviação - a O&W com sede em Londres- que fundou em 2019, sendo também acionista e administrador. O problema? Segundo a defesa da TAP, elaborada pela sociedade de advogados Uría Menendez, trata-se de uma "violação clamorosa" do regime de exclusividade previsto nos estatutos de Gestor Público.
A companhia aérea diz que a gestora não "informou ou sequer solicitou qualquer autorização" à TAP e aos acionistas [Estado] para esta situação. "Manteve, durante todo o período em que exerceu funções enquanto CEO das TAP, um cargo de administradora que nunca revelou ou que mereceu o assentimento de qualquer dos seus acionistas ou de qualquer representante do Governo", segundo o mesmo documento. A defesa garante ainda que a TAP também só teve conhecimento deste caso "no âmbito da preparação da presente ação".
Mas as revelações e argumentos para contestar a ação de Christine Ourmières-Widener não ficaram por aqui. A gestora terá ainda acumulado funções em mais duas empresas, sem ter tido também o aval da TAP e do acionista. Em causa estão os cargos de administradora na ZeroAvia, uma empresa relacionada com o desenvolvimento da aplicação de hidrogénio para a aviação, e de administradora não executiva da MetOffice, cargo que deixou de exercer em maio de 2023 e através do qual auferia uma remuneração de 15 mil euros.
Ora, os advogados lembram que à luz das regras dos estatutos do gestor público, um tema bastante discutido na comissão de inquérito à gestão da TAP, "o exercício do cargo de administrador com funções executivas em empresa pública tem lugar em regime de exclusividade". E "o cargo de gestor público com funções executivas é incompatível com o exercício de quaisquer funções profissionais, remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas".
O início da batalha judicial
O processo judicial da antiga presidente executiva da TAP deu entrada no tribunal em setembro do ano passado. Em causa está a contestação à deliberação de despedimento por justa causa anunciada em março desse ano pelo Governo e considerada "ilegal" por Christine Ourmières-Widener.
Os advogados optaram por interpor uma ação contra a TAP, em detrimento de avançar contra o Estado em simultâneo para acelerar o processo. Isto porque o contrato era entre Christine Ourmières-Widener e a transportadora aérea. Mas como o Estado é o único acionista da transportadora, acaba por estar envolvido.
O processo, que já avançou, contesta a exoneração por justa causa anunciada por Fernando Medina, ministro das Finanças, e João Galamba, ministro das Infraestruturas, a 6 de março de 2023. Na base da decisão, como explicaram na altura os governantes, esteve o parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a polémica indemnização de 500 mil euros de Alexandra Reis.
A investigação apontou como culpados do pagamento considerado ilegal Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja, antigo "chairman" da transportadora aérea que também foi demitido por justa causa, defendendo terem sido eles que assinaram o acordo para a saída de Alexandra Reis em fevereiro de 2022, o que violou o estatuto de Gestor Público. Uma conclusão refutada pela gestora francesa.
"Com tantas pessoas envolvidas não percebo como é que chegam a esta conclusão para a minha exoneração por justa causa. A minha demissão não só é ilegal como também é desajustada, não existindo qualquer respeito por uma executiva sénior", lamentou, a 5 de abril, quando foi ouvida na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP criada precisamente depois da polémica indemnização.
Na altura, Christine Ourmières-Widener avisou ainda que iria tirar consequências legais sobre a sua demissão para tentar repor a sua "honra e reputação". E já antes, no seu contraditório ao relatório da IGF, mostrou "perplexidade ao constatar que, lamentavelmente, foi a única pessoa diretamente envolvida" neste processo "que não foi ouvida pessoalmente". Uma situação que, mais tarde, veio a ser justificada pela IGF com o facto de a gestora não falar português.
Já do lado do Governo, Medina sempre garantiu estar confiante na decisão defendendo que a deliberação estava "juridicamente blindada". Afirmação que mais tarde gerou alguma polémica após críticas da oposição porque a base legal se baseia apenas no parecer da IGF.
Quando foi ouvido na CPI, o ministro das Finanças mostrou-se confiante na base legal para a demissão por justa causa da antiga CEO e do ex-"chairman" da TAP. E rejeitou a ideia de que só procuraram aconselhamento jurídico depois de anunciar as demissões por justa causa em direto nessa conferência de imprensa de 6 de março.
"O relatório da IGF é mais sólido do que qualquer parecer jurídico", comentou, lembrando que para a elaboração do mesmo foram ouvidos os principais intervenientes no processo e foi feito um levantamento "exaustivo" dos factos. "A conclusão foi evidente para nós: houve uma violação grave da lei que deveria ter como fim a demissão da engenheira Christine Ourmières-Widener e do doutor Manuel Beja", rematou.