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Da revelação do meio milhão à demissão de Alexandra Reis: cronologia de um caso que deixa dúvidas

Menos de um mês depois de ter tomado posse, Alexandra Reis é forçada a abandonar o cargo de secretária de Estado do Tesouro. A decisão é tomada depois da enorme polémica gerada pela notícia que revelou que a TAP, intervencionada pelo Estado, pagou em fevereiro uma indemnização de meio milhão de euros à ex-administradora. Uma cronologia do caso que deixa dúvidas políticas e jurídicas por esclarecer.

Mariline Alves
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Sábado, 24 de dezembro

Correio da Manhã revela compensação de 500 mil euros

O Correio da Manhã revela na véspera de Natal que a nova secretária de Estado do Tesouro, que tomou posse a 2 de dezembro, recebeu uma indemnização de 500 mil euros da TAP. A compensação foi paga pela transportadora quando em fevereiro Alexandra Reis saiu da TAP, cessando antecipadamente funções como vogal na comissão executiva. O CM explicava que o montante da indemnização resultou de um acordo entre a TAP e Alexandra Reis, que quatro meses depois viria a ser nomeada presidente da NAV, que tal como a TAP tem a tutela conjunta dos ministérios das Finanças e das Infraestruturas e Habitação. O pagamento e o valor da indemnização foi uma surpresa até porque a informação dada pela TAP à CMVM indicava que Alexandra Reis renunciou ao cargo. "Alexandra Reis, vogal e membro do Conselho de Administração e Comissão Executiva da TAP, apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios" lê-se no comunicado oficial. Começam a surgir as críticas da oposição, que se vão generalizando.Nesse dia, o Presidente da República é confrontado pelos jornalistas com o assunto e diz que não comenta o caso. 

 

Domingo 25 de dezembro

Marcelo diz que não há ilegalidades e dá detalhes sobre a negociação

Um dia depois do início da polémica, Marcelo Rebelo de Sousa disse que entre "muitos portugueses" "há quem pense que era bonito prescindir disso [da compensação], atendendo a que está noutra função" no Governo. "Do ponto de vista jurídico, a lei permite isto", acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, adiantando detalhes que se viriam a confirmar nos dias seguintes: "Foi negociado um terço dessa indemnização. A indemnização completa seria três vezes superior. Saiu com essa indemnização por decisão da própria empresa e não por iniciativa própria", disse o chefe de Estado. Além de confirmar que o processo negocial foi iniciado "por iniciativa da TAP", a resposta da TAP ao Governo, divulgada pelo Ministério das Finanças esta terça-feira, também revela que Alexandra Reis começou por pedir uma compensação de cerca de 1,5 milhões de euros, quase três vezes mais do que acabou por receber. Neste dia os partidos começam a exigir esclarecimentos ao Governo. O CDS, através do seu presidente, Nuno Melo, afirmou que o primeiro-ministro, António Costa, devia explicações aos portugueses. No Twitter, a porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Inês Sousa Real, considerou "incompreensível" uma indemnização de 500 mil euros numa empresa intervencionada pelo Estado, exortando o Governo a dar explicações.

 

Segunda-feira 26 de dezembro

Governo pede explicações à TAP

Perante a onda de críticas, o Governo diz em comunicado que pediu explicações à TAP sobre a indemnização paga a Alexandra Reis. O comunicado conjunto dos ministérios das Finanças e das Infraestruturas explica que o despacho enviado pede informação sobre o enquadramento jurídico do acordo e do valor da indemnização atribuída. 


BE e Chega chamam com urgência Fernando Medina, Pedro Nuno Santos, Alexandra Reis e CEO da TAP

Depois das várias críticas dos partidos ao pagamento da indemnização de 500 mil euros pela TAP à secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, o Bloco de Esquerda e o Chega entregam ao Parlamento requerimentos para ouvir com urgência os ministros das Finanças, das Infraestruturas e Habitação, a presidente do conselho de administração da TAP e Alexandra Reis. O Chega enviou também uma queixa à Inspeção Geral das Finanças. 

 

O PCP considerou que "são devidos explicações e apuramento" da situação e manifestou o seu protesto "por estes critérios em prática nos grupos económicos e financeiros", anunciando que iria requerer a presença na Assembleia da República dos dois ministros com a tutela da TAP.

 

Para o Iniciativa Liberal é fundamental clarificar se a secretária de Estado do Tesouro se demitiu ou foi demitida da TAP. "Caso Alexandra Reis tenha saído da TAP por sua iniciativa e, ainda assim, recebeu uma indemnização milionária de uma empresa em que os contribuintes gastaram 3,2 mil milhões de euros, o caso é inaceitável política e moralmente. Se foi demitida, urge saber os motivos subjacentes", defendem os liberais.

Alexandra Reis afasta qualquer ilegalidade

A governante rejeita a devolução da indemnização e afasta o cenário de ilegalidade."Nunca aceitei - e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga - qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei", garante Alexandra Reis, a secretária de Estado envolvida na polémica. Numa declaração escrita à agência Lusa, a secretária de Estado do Tesouro revela que a cessação de funções "como administradora das empresas do universo TAP" e a revogação do seu contrato de trabalho com a TAP S.A, "ambas solicitadas pela TAP, bem como a sua comunicação pública, foi acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais". À data, o departamento jurídico da TAP era dirigido pela mulher de Fernando Medina, Stéphanie Sá da Silva.  


Marcelo insiste e continua a exigir esclarecimentos

Na terceira intervenção sobre o assunto, o Presidente da República acrescenta que há questões que têm de ser esclarecidas. "Vale a pena verificar duas coisas: primeiro, porque é que terminou aquela colaboração; correu mal, incompatibilidades? E, em segundo lugar, quais foram os critérios seguidos para dar lugar àquela indemnização com aquele valor", disse Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha dito que a lei permite o pagamento da compensação. "Surgem dúvidas sobre se o acordo" resulta "de uma vontade da própria de fazer cessar o contrato e receber em contrapartida um quantitativo da empresa", justificou. Sobre a iniciativa dos ministros das Finanças e das Infraestruturas e Habitação, que exigiram esclarecimentos à TAP sobre o acordo firmado, Marcelo Rebelo de Sousa diz que "é porque entendem que é fundamental para esclarecer os portugueses e quem a nomeou como governante há cerca de um mês" e que num cenário de irregularidades deve "ser a própria a tomar uma iniciativa". O chefe de Estado sublinha ainda que as explicações sobre este caso "enfraquecem ou fortalecem" a posição de Alexandra Reis e que são "importantes para todo o Governo". Porque "aquilo que acontece a um membro de um Governo, acaba por, de uma ou de outra forma, ter que ver com todo o Governo. Não é um caso estritamente individual".


Medina assina capitalização de 980 milhões para a TAP

O despacho para a transferência dos últimos 980 milhões de euros da injeção de capital prevista no plano de reestruturação TAP é assinado pelo ministro das Finanças, tal como o Negócios noticiou na terça-feira. O despacho foi assinado por Fernando Medina depois de a secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, ter pedido escusa no processo. Até agora, a TAP estava na tutela do Tesouro.  



Terça-feira, 27 de dezembro

 

Marcelo diz que não quer "pôr o carro à frente dos bois"

O Presidente da República volta a pedir explicações e diz aguardar os argumentos da TAP. "Deve-se começar pelo início, ou seja, pelo esclarecimento e, depois, dado o esclarecimento, aí se retirará ou não as consequências daquilo que foi esclarecido". Responder à pergunta sobre se o Governo deveria manter Alexandra Reis antes dos esclarecimentos seria "pôr o carro à frente dos bois".


António Costa garante que "desconhecia antecedentes"

Dois dias depois de o Presidente da República ter revelado o enquadramento da cessação de contrato e ter feito referências aos valores das negociações, o primeiro-ministro afirmou por escrito à agência Lusa que "desconhecia em absoluto os antecedentes" deste caso e que pediu informação aos ministros que tutelam a TAP. Sobre se mantinha a confiança na governante, António Costa respondeu que "quanto ao mais", aguarda "o esclarecimento cabal dos factos e da sua qualificação jurídica".


TAP revela detalhes da saída e defende legalidade das negociações

Num comunicado divulgado ao início da noite, os ministérios das Finanças e das Infraestruturas revelam a resposta da TAP, assinada pela CEO Christine Ourmières-Widener. O documento explica que Alexandra Reis entrou na TAP em 2017, como diretora de compras, e foi nomeada administradora em setembro de 2020, renovou um mandato quadrienal que começou a 1 de janeiro de 2021, não tendo celebrado qualquer contrato como administradora. A transportadora confirma que, ao contrário do que sugeria o comunicado enviado em fevereiro à CMVM, o processo de negociação da rescisão foi iniciado "por iniciativa da TAP" e implicou a cessação dos vínculos com sete empresas do grupo TAP. O documento revela que Alexandra Reis pediu inicialmente uma compensação de 1,48 milhões de euros, quase três vezes mais do que a quantia de 500 mil euros brutos que confirma que foi paga. A TAP justifica o valor de meio milhão da seguinte forma: 56,5 mil euros pela cessação de contrato sem termo como diretora e 443,5 mil euros como contrapartida das funções de administração. Destes últimos, embora "de forma não discriminada", 107,5 mil euros dizem respeito a "férias não gozadas" e 336 mil euros a um ano de remuneração base, mas sem cortes. A TAP diz que a comunicação foi consensualizada e que as partes concordaram manter os termos do acordo em sigilo. Sobre uma dúvida muito colocada nos últimos dias, a transportadora reconhece que o Estatuto do Gestor Público "não contempla expressamente o acordo como forma de cessação" de funções "mas também não o veda". E diz que o Estatuto remete para o Código das Sociedades Comerciais que "consente o acordo de revogação". O Governo diz que a resposta foi enviada para a Inspeção-Geral de Finanças e para a CMVM.


Governo demite secretária de Estado

Pelas 23h31, poucas horas depois de ter anunciado que solicitou que a IGF e a CMVM analisassem o conteúdo da resposta da TAP, o Ministério das Finanças revela, em comunicado, que Alexandra Reis apresentou um pedido de demissão solicitado por Fernando Medina. "Tomei esta decisão no sentido de preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses", referiu o governante. "Quero neste momento agradecer à Eng.ª Alexandra Reis – detentora de um curriculum profissional de enorme mérito e qualidade – todo o trabalho desenvolvido, e sobretudo reconhecer a integridade e correção com que neste período pessoalmente difícil assegurou a defesa do interesse público. 



Quarta-feira 28 de dezembro

Oposição e Presidente não dão o caso por encerrado

As conclusões da análise da IGF e da CMVM ainda não foram divulgadas. Há dúvidas políticas e jurídicas que permanecem. "Como é que o primeiro-ministro nunca sabe nada?", questiona Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD. "O caso não fica resolvido", diz João Figueiredo da Iniciativa Liberal. O Presidente da República considerou que a conclusão política "foi bem retirada" mas avisou que o caso ainda vai dar "muitas investigações", na medida em que está em causa uma "interpretação sobre o estatuto do gestor público". "É muito simples: uma vez apresentados os esclarecimentos era evidente que só havia uma solução, que foi aquela que foi seguida. Era evidente que realmente em termos, como eu assinalei desde o início, que era importante apurar a questão política, não tanto ética mas política, e não apenas jurídica. E foi retirada a conclusão política, e bem retirada", defendeu o chefe de Estado. O Presidente da República fez ainda saber estar disponível para que a tomada de posse do novo governante que vai assumir a pasta do Tesouro possa acontecer entre os dias 28 e 30 de dezembro.

Medina diz que desconhecia
Numa nota enviada à RTP O Ministério das Finanças indica que só soube do acordo para a saída na sequência das notícias dos 500 mil euros pagos à antiga administradora e que só no dia 26 de dezembro, dois dias após o caso ter sido tornado público é que pediu à TAP informações sobre o enquadramento jurídico e que não era ministro das Finanças quando foi negociada a indemnização. Mas o Negócios noticia que as Infraestruturas foram informadas da substituição de Alexandra Reis na TAP.

PR acredita que ministros não sabiam
O Presidente da República diz acreditar no ministro das Finanças quando Fernando Medina disse desconhecer a indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis na altura em que esta foi convidada para ser secretária de Estado do Tesouro. "Acredito quando os ministros dizem que não sabiam", declarou Marcelo Rebelo de Sousa.

Demitem-se Pedro Nuno Santos e secretário de Estado das Infraestruturas
O Ministro das Infraestruturas e da Habitação apresenta a demissão do cargo ao primeiro-ministro, António Costa. Em comunicado divulgado pelo gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos explicou que "face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno" do caso da TAP, decidiu "assumir a responsabilidade política e apresentar a sua demissão". A nota refere ainda que "no seguimento das explicações dadas pela TAP, que levaram o ministro das Infraestruturas e da Habitação e o ministro das Finanças a enviar o processo à consideração da CMVM e da IGF, o secretário de Estado das Infraestruturas [Hugo Santos Mendes] entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão", esclareceu ainda o Ministério das Infraestruturas e da Habitação. A nota sublinha também que o ministro foi informado da substituição de Alexandra Reis na TAP mas que desconhecia os termos do acordo e o valor da indemnização paga. Tendo, por isso, o ministro solicitado as informações à TAP, através de despacho.

Costa aceita demissões
O primeiro-ministro aceitou de imediato a demissão de Pedro Nuno Santos e do secretário de Estado das Infraestruturas. "Aceitei o pedido de demissão que me foi apresentado pelo ministro das Infraestruturas e Habitação", lê-se no comunicado que acrescenta que António Costa agradece ao ministro "pela dedicação e empenho com que exerceu funções governativas ao longo destes sete anos, quer nas áreas da sua direta responsabilidade, quer na definição da orientação política geral do Governo". O PM aproveitou ainda para salientar que, "do ponto de vista pessoal", releva com "muita estima a camaradagem destes anos de trabalho em conjunto".


Quinta-feira 29 de dezembro


IL apresenta moção de censura
Mesmo depois das demissões dos governantes, o Iniciativa Liberal anunciou que vai apresentar uma moção de censura ao Governo. "Este estado de coisas não pode continuar, este governo não pode continuar. A IL irá apresentar uma moção censura ao Governo de António Costa", anunciou João Cotrim Figueiredo. Já Luís Montenegro, presidente do PSD, reagiu através do Twitter para dizer que este é "um primeiro-ministro e um Governo de truques, habilidades e trapalhadas", o que gera "instabilidade". Promete que os sociais democratas vão continuar "a exigir as explicações que faltam. "O PS traiu a confiança que o povo lhe concedeu. O PSD continuará hoje a exigir as explicações que faltam", refere Montenegro na mensagem do Twitter. Também a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, defende que, embora o ministro das Infraestruturas e da Habitação se tenha demitido, "persistem dúvidas relativamente às opções políticas feitas em torno da TAP".

Tripulantes reúnem-se para decidir greve
Enquanto decorre a polémica, os tripulantes da TAP vão reunir em assembleia geral para discutir a proposta apresentada pela TAP para um novo Acordo de Empresa e decidir se avançam com os cinco dias de greve, com datas ainda por marcar. A anterior greve convocada pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), realizada entre os dias 8 e 9 de dezembro, levou a companhia a cancelar previamente 360 voos com um impacto estimado total de oito milhões de euros em perdas de receita.

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