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Altice: Patrick Drahi foi avisado sobre Armando Pereira em 2017

Os avisos relativamente às más práticas de governação da Altice remontam a 2017. Trabalhadores, sindicatos e consultoras foram ao longo dos anos avisando os responsáveis de licitações fraudulentas e alegado nepotismo.

Patrick Drahi, líder do grupo recebeu os primeiros sinais de alerta após ter nomeado Armando Pereira para vice-presidente do operadora francesa SFR.
Miguel Baltazar
16 de Outubro de 2023 às 21:50
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"Chocado" e "desapontado" foram as palavras usadas pelo multimilionário Patrick Drahi para descrever como se sentiu quando responsáveis da Altice foram detidos, no âmbito da Operação Picoas, que tem como principal alvo Armando Pereira, cofundador do grupo.

Mas, noticia a Bloomberg, com base em vários testemunhos e documentos, tanto os trabalhadores, como sindicatos e consultoras já tinham revelado preocupações relativamente às relações da Altice com os seus maiores fornecedores.

Os executivos da Altice, inclusive nos patamares mais elevados, foram informados de problemas de governação, licitações potencialmente fraudulentas em contratos e alegado nepotismo, todos associadso a Armando Pereira.

Primeiro alerta foi dado em 2017

As preocupações relativas a Armando Pereira surgiram pela primeira vez em 2017, depois de Patrick Drahi o ter nomeado para vice-presidente executivo da operadora francesa SFR, agora Altice France.

Na altura, os membros de um sindicato (CFDT) confrontaram Armando Pereira sobre alegações de que teria adjudicado contratos a empresas que o próprio, ou familiares seus detinham, contornando as habituais cadeias de gestão destes processos.

Segundo uma transcrição da reunião, Armando Pereira foi descrito como "interferindo sistematicamente nos processos de decisão", "opacidade financeira" e "confusão entre os interesses pessoais e o propósito social da empresa".

"Perguntámos-lhe se ia trabalhar no interesse da empresa ou no seu próprio interesse", relembra um dos representantes do sindicato, Olivier Lelong, numa entrevista.

Dois anos depois, em 2019, a Deloitte voltou a levantar questões num relatório anual produzido para a Altice Europa, que incluía a operação em Portugal e em França. O documento apontava para o "risco de fraude", incluindo a possibilidade de realizar "ajustes manuais" a transações fora do sistema de leilão. Ou seja, a forma como os gestores da empresa se poderiam sobrepor a mecanismos internos que tinham sido justamente criados para impedir corrupção.

A consultora enfatizou ainda, numa carta enviada ao conselho de administração no mesmo ano e em que não mencionava responsáveis específicos, as "significativas deficiências no controlo interno", incluindo a facilidade com que cada indivíduo poderia manipular documentos de contabilidade financeira.

Mais tarde, a Deloitte acabou por ser substituída pela KPMG. A decisão foi questionada por um acionista que perguntou, numa reunião, se a troca se devia a quão "direta" tinha sido a Deloitte na sua avaliação nos problemas de governação da empresa.

Trabalhadores da Atice nos Estados Unidos levantam questões quanto à adjudicação de contratos

Ainda antes do processo em Portugal ter sido iniciado, os trabalhadores da Altice nos Estados Unidos levantaram preocupações, nomeadamente sobre alguns fornecedores que continuaram a ganhar contratos para a instalação de redes de fibra, apesar de não oferecerem o melhor valor ou qualidade de trabalho. Aliás, alguns responsáveis seniores que fizeram queixas a superiores sobre a injustiça de alguns destes processos foram afastados da empresa.

Desde o início da investigação em Portugal, algumas personalidades foram afastadas, incluindo Yossi Benchetrit, genro de Armando Pereira, que foi despedido da Altice USA, após ter recusado colaborar com a investigação interna da empresa. Também Alexandre Fonseca suspendeu as suas funções no âmbito das atividades empresariais executivas e não executivas de gestão do grupo em diversas geografias.

Segundo fontes conhecedoras do assunto, ouvidas pela Bloomberg, a Excell Communications - o maior fornecedor para a construção de uma rede da Altice, e a Genesys USA foram ambas financiadas ou geridas por indivíduos ligados à "Operação Picoas". Benchetrit e outros membros seniores da Altice nos Estados Unidos pressionaram as suas equipas para a escolha da Excell sobre outras empresas, mesmo em estados em que não tinha experiência.

"Holding" de Hernâni Vaz Antunes adquire fornecedor da Altice USA em 2018

Esta seleção preferencial começou a acontecer após a aquisição em 2018 da Excell Communications por parte da Dunas de Contrastes, uma "holding" de Hernâni Vaz Antunes, que está em prisão domiciliária e é suspeito de mais de 20 crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. O empresário já confessou, segundo o jornal Público, que realizou vários pagamentos indevidos para ganhar mercado e contratos.

Entre os beneficiários está não só o ex-presidente executivo da Altice, Alexandre Fonseca, como também o co-fundador, Armando Pereira, o ex-CEO da Altice nos EUA, Akim Boubazine, e o diretor de compras da Altice USA e genro de Armando Pereira, Yossi Benchtrit.

Akim Boubazine foi também o fundador da Genesys USA em setembro de 2021, após ter deixado a Altice com uma indemnização de 500 mil dólares. Boubazine e o seu parceiro Denis Ryzhikov adquiriram dois dos fornecedores da Altice USA, a AM Communications e a Scott Fennell, incorporando-as na Genesys, meses antes de a empresa se tornar empreiteira da Altice.

Na sequência da sua fundação, já em fevereiro deste ano, um diretor sénior de "procurement", Glenn Gisek, escreveu um email aos fornecedores afirmando que já não iriam trabalhar com a Altice, mas que iriam ser subcontratados através da Excell ou de uma das duas empresas detidas pela Genesys. Esta indicação terá gerado confusão entre os trabalhadores, dado que ambas as empresas tinham pouca experiência.

Apesar de não ter um posto executivo na Altice USA, Armando Pereira esteve sempre a par do desenvolvimento da rede de fibra, tendo chegado a comparecer em locais de construção nos Estados Unidos e dando inclusive recomendações técnicas aos trabalhadores no local.

Sindicato francês CFDT relembra Patrick Drahi de avisos que remontam a 2017

Mais recentemente, em setembro, o sindicado francês CFDT enviou uma carta a Drahi dando conta de como "os seus membros tinham avisado para os problemas relativamente ao uso de fornecedores de serviços ligados diretamente ou indiretamente aos acionistas" desde que a Altice adquiriu a SFR.

"Esta crise é uma oportunidade para repensar completamente a governação corporativa, os métodos de gestão, o diálogo social e os mecanismos de partilha de valor do grupo, com o objetivo de restaurar significado e reconhecimento", enfatizou o sindicato.

Patrick Drahi vai estar reunido na terça-feira com os sindicatos pela primeira vez desde que a investigação foi iniciada nos escritórios da Altice em Paris.
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