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Um psicólogo está no centro do escândalo de dados do Facebook

Kogan esteve no centro de um escândalo que pôs em dúvida não apenas os métodos utilizados pela campanha de Trump para psicanalisar e identificar potenciais eleitores a fim de conquistar a presidência, mas também as práticas das empresas de Silicon Valle ao permitir que terceiros possam ter acesso e explorar informações privadas.

5.º Facebook – 495,6 mil milhões de dólares
Reuters
24 de Março de 2018 às 19:00
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Num vídeo publicado na internet em Setembro, um cientista social chamado Alex Spectre fez um discurso sincero sobre a sua nova startup. Com o uniforme de Silicon Valle, camisa com o colarinho aberto e blazer, Spectre gabava-se de que a sua empresa - Philometrics - revolucionaria a forma de fazer questionários online, ajudando as empresas na elaboração de inquérito que as pessoas responderiam no Facebook, no Twitter ou em outros sites. E o mais importante, afirmou, é que os estudos poderiam prever as reacções de grandes grupos a partir de um pequeno número de consultas, com o objectivo de direccionar melhor campanha para pequenos grupos.

 

"A realidade é que trabalhar com dados e redes sociais é incrivelmente difícil", disse Spectre, mais comumente conhecido como Aleksandr Kogan, nome que usa no seu cargo de investigador da Universidade de Cambridge. "Quer trabalhar com pessoas que têm muita experiência. Quer conectar-se com pessoas que têm trabalhado com esses enormes conjuntos de dados."

 

Kogan sabe do que está a falar. Na semana passada foi suspenso pelo Facebook pelo seu trabalho anterior de mineração de dados que, segundo o New York Times, chegou a envolver 50 milhões de utilizadores do Facebook e foi partilhado com a Cambridge Analytica, uma consultora política que ajudou Donald Trump a vencer as eleições presidenciais dos EUA em 2016. O Facebook suspendeu Kogan com a alegação de que mentiu quando disse que os dados seriam utilizados apenas para fins de análise. A rede social também suspendeu a Cambridge Analytica.

Kogan, de aparência juvenil, foi colocado no centro de um escândalo que pôs em dúvida não apenas os métodos utilizados pela campanha de Trump para psicanalisar e identificar potenciais eleitores a fim de conquistar a presidência, mas também as práticas das empresas de Silicon Valle ao permitir que terceiros possam ter acesso e explorar informações privadas.

 

O Facebook já desactivou o recurso que permitiu que Kogan acumulasse dados pessoais de milhões de utilizadores, sendo que menos de 1% dessas pessoas descarregou a aplicação. Mas o caso oferece um vislumbre de como alguns gigantes da internet são promíscuos com informações que muitos utilizadores pressupõem que serão sempre mantidas em segredo. Autoridades governamentais dos EUA e da Europa intimaram o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, a comparecer diante dos legisladores, e essa procura por respostas pode ser o prenúncio de uma regulamentação mais rigorosa para a rede social.

 

Kogan não respondeu a diversas tentativas de contato. O seu malfadado desvio da vida académica para os cantos mais sombrios do marketing de redes sociais começou em 2014, quando a Cambridge Analytica, com sede no Reino Unido, pediu ajuda a Kogan. A empresa estava interessada num projecto de dados em que Kogan tinha trabalhado na Universidade de Cambridge, que se baseava em pesquisas sobre traços de personalidade e redes sociais.

 

Depois de entrar na Universidade de Cambridge, Kogan formou uma empresa no Reino Unido chamada Global Science Research, que criou uma aplicação chamada ‘thisisyourdigitallife’ que oferecia previsões de personalidade aos utilizadores do Facebook em troca de acesso aos seus dados pessoais na rede social e de informações mais limitadas sobre os seus amigos – incluindo os seus "gostos" – caso as suas configurações de privacidade o permitissem. Apenas cerca de 270.000 pessoas descarregaram a aplicação, mas os investigadores conseguiram explorar os perfis de dezenas de milhões de pessoas através de ferramentas que o Facebook tinha na altura, que davam acesso a terceiros a uma ampla gama de informações.

 

A empresa de Kogan pegou nos resultados desses questionários de personalidade e combinou-os com os "gostos" dos utilizadores do Facebook – e com os "gostos" dos seus amigos – a fim de construir um modelo para prever personalidades com base no comportamento digital. A empresa por fim deu à Cambridge Analytica uma lista de milhões de pessoas nos EUA, com nome, lugar de residência, género, idade e resultados dos testes projectados.

 

Até 2014, as regras do Facebook permitiam que terceiros tivessem acesso por esta porta dos fundos aos dados de amigos. Naquele ano, a empresa restringiu as suas configurações de privacidade para "garantir que cada pessoa decida que informações querem partilhar sobre si, incluindo a sua lista de amigos". O Facebook empenhou-se para que o ocorrido não seja descrito como uma "violação", mas a realidade é que o acto subjacente de recolha de dados por terceiros não só era permitido como também era encorajado pela rede social – levantando dúvidas sobre quantos outros abusaram do acesso às informações de utilizadores do Facebook.

 

Por sua vez, a Cambridge Analytica afirmou que os dados do Facebook não foram utilizados como parte dos serviços prestados à campanha presidencial de Trump, acrescentando que respeitou completamente as condições de serviço do Facebook e que está trabalhando com a empresa para resolver o problema.

 

Uma pessoa familiarizada com o trabalho da empresa de Kogan disse à Bloomberg News no ano passado que a metodologia e os dados fornecidos à Cambridge Analytica eram quase inúteis para prever personalidades individuais devido a uma alta taxa de erro e que a alegação de que a Cambridge Analytica pode direccionar campanhas a nível individual com base no comportamento é mais conversa de marketing do que Big Brother.

 

O problema mais difícil para o Facebook é que a rede social estava ciente da controvérsia sobre o uso da informação por parte de Kogan e da Cambridge Analytica desde 2015, quando o Facebook exigiu que ele e a Cambridge Analytica excluíssem os dados. A rede social enfrenta agora as consequências de não poder controlar quem recolheu os dados privados no Facebook durante aquele período e usou essa informação e se as regras do Facebook sobre partilha ou venda dos dados foram respeitadas. O Facebook também está a investigar se um dos seus funcionários, Joseph Chancellor, que formou a Global Science Research com Kogan quando Chancellor era um estudante de doutorado da Universidade de Cambridge, sabia sobre a fuga de dados. Chancellor actualmente é investigador de psicologia social no Facebook. Este responsável não respondeu a uma mensagem enviada pelo LinkedIn a pedir um comentário.

 

A Universidade de Cambridge informou num comunicado que não tinha nenhuma prova que sugerisse que Kogan tenha usado recursos ou instalações da universidade para o trabalho da Global Science Research, mas afirmou também que entrou em contacto com o Facebook para solicitar "todas as provas relevantes em sua posse".

(Texto original: Meet the Psychologist at the Center of Facebook's Data Scandal)

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