Notícia
Viagem ao reino do "porque não?"
Nasceu há quase um ano o Level39, num dos edifícios mais altos de Londres, num dos centros financeiros da capital britânica. É uma incubadora de start-ups que coloca "geeks" e banqueiros no mesmo local
Ser extraordinário | Requisito único para entrar no Level39, uma incubadora de empresas.
No 39º andar daquele que era até 2010 o arranha-céus mais alto de Londres, o One Canada Square, estão a ser colocados, lado a lado, "geeks" das novas tecnologias e banqueiros. O Level39 foi criado há um ano como uma incubadora de start--ups que quis ser diferente das demais. Não só pela selecção e acompanhamento dos inquilinos mas também pela localização privilegiada no "coração" de Canary Wharf, a zona que alberga as sedes de alguns dos maiores bancos globais em Londres. Na Tecnologia para as Finanças ("FinTech"), estar perto pode fazer toda a diferença.
O que é preciso para entrar aqui? "É simples, só precisa de ser extraordinário", diz o presidente do Level39, enquanto mostra os cantos à casa a um pequeno grupo de jornalistas de vários países europeus. Eric van der Kleij, um gestor experiente e sociável, liderou durante dois anos a "Tech City", um "bairro" na zona Norte de Londres que, apesar dos apoios estatais e visitas Reais, não está a corresponder ao objectivo de criar uma "Silicon Valley" na capital britânica.
O Level39 quer ser diferente. E isso fica claro quando Eric van der Kleij nos leva até uma das "sandboxes" - isto é, salas multiusos que se assemelham a laboratórios químicos - a que deu o nome de "Eastminster". "O nome serve para inspirar os políticos de Westminster a virem para cá pensar em políticas 'fora da caixa'", diz. Noutra "sandbox" que existe nos nove mil metros quadrados de área do Level39, uma sala em que alguém pintou o icónico rosto de Steve Jobs, Van der Kleij diz-nos que, desde a sua criação, mais de 500 "startups" se candidataram a entrar no Level39. Oitenta conseguiram.
Quanto é a renda?
Quando os empreendedores e as suas start-up" são aceites como inquilinos no Level39, "a última coisa de que se fala é da renda", diz o presidente. Porque é muito mais do que uma secretária e uma tomada eléctrica que é dada à start-up. O objectivo é criar uma comunidade de empresas que partilham experiências e que têm mentores a quem podem bater à porta a qualquer hora do dia. Ao contrário de outras chamadas incubadoras de start-ups, o Level39 não assume posição accionista nas empresas.
Enquanto tomamos um café tirado por uma máquina comandada por uma "app" de iPhone - criada por Frederik Vibe-Petersen, um dos inquilinos -Eric van der Kleij diz-nos que o espaço, concebido pela firma arquitectónica Gensler (que tem como clientes o Facebook e a Google) alberga start-ups com vocação para três áreas: tecnologia para retalho, "cidades do futuro" e, acima de tudo, a "FinTech".
Porta aberta para os vizinhos
A banca é vista pelos "geeks" como um sector lento a modernizar-se, por questões de dimensão e pelas grandes preocupações com a segurança. Mas, apesar de tudo, são o sector que mais gasta em inovação depois da Defesa. São clientes cobiçados pelos recursos e pela incontornável procura de soluções que os ajudem a ser mais eficientes, mais competitivos, enquanto cumprem com a crescente quantidade de regulação que existe no sector.
A dificuldade de vender um produto tecnológico a um banco é que não é fácil "meter o pé na porta" e estabelecer os contactos pessoais que são necessários para perceber que produtos estes procuram. Tom Samodol, um dos mentores, diz que para ter uma boa ideia é preciso saber o que "tira o sono" aos gestores dos bancos. Para ter uma "startup" de sucesso é preciso responder a três perguntas, diz Tom Samodol: "Qual problema estou a resolver para alguém?"; "O meu produto é relevante (ou seja, vou dar dinheiro a ganhar a alguém)"?; e "Sou credível?". Nesta última, diz Tom Samodol, os mentores são cruciais para fazer a ponte entre quem tem as ideias e quem as procura.
Para facilitar esse contacto, os "vizinhos" - quadros de grandes bancos que ficam ali ao lado - participam em programas de "acelerador" organizadas no espaço do Level39 e que põe em contacto directo os banqueiros e as "startups". Um dos principais programas é o "FinTech Innovation Lab", gerido pela consultora Accenture. Nesse programa, 12 "Chief Innovation Officers" de bancos internacionais escolhem sete "startups" com quem trabalham em proximidade durante três meses.
"Uma start-up que queira vender um produto a um banco demora três anos ou mais a conseguir fechar negócio. Aqui procuramos estabelecer esses contactos e nutrir a aprendizagem recíproca num programa intensivo", explica Samad Masood, da Accenture. O programa vai na segunda edição e o sucesso para quem se destacou na primeira edição, na última Primavera, tem sido imenso.
A Digital Shadows, uma "startup" ligada à segurança na Internet, chegou a ter mais de 100 reuniões com responsáveis de bancos durante os três meses do "FinTech Innovation Lab". Desde então, ganhou prémios, clientes e financiadores. Tim Clark, que deixou para trás mais de 20 anos de experiência na banca de investimento, decidiu abrir uma start-up dona de uma plataforma de agregação de dados chamada Kusiri. Lamenta que locais como o Level39 não existissem há 10 anos.
O grande sucesso da sua "startup" - que já deixou de se qualificar como tal - levou-o a subir três andares no mesmo edifício, para o "Espaço de Elevado Crescimento" da sede do Canary Wharf Group, a empresa que colocou um centro financeiro que rivaliza com a "City" numa península banhada pelo Rio Tamisa onde o Rei Eduardo III gostava de ir passear os cães ("Isle of Dogs"). Foi há menos de um ano que participou no "FinTech Innovation Lab" mas já recorda com nostalgia os tempos no Level39. "É o ambiente de trabalho mais colaborativo em que já trabalhei. Aqui existe, realmente, uma comunidade de pessoas que querem ajudar-se, umas às outras, a terem sucesso", diz Tim Clark. "Respira-se no ar um espírito de 'porque não?".
*O jornalista viajou a Londres a convite do UK Trade & Investment